Terça, 23 Julho 2019 15:38

OFS e o Espelho da Perfeição: reflexão sobre o capítulo V

CAPÍTULO V

 

Da observância da pobreza nos livros, leitos, edifícios e utensílios

1 O Santo Pai ensinava os frades a procurar nos livros, não o valor material, mas o testemunho do Senhor; não a beleza, mas o proveito espiritual. Queria que tivessem somente alguns em comum, e sempre à disposição dos frades que deles necessitassem. 2 Nos leitos e roupas reinava uma tal pobreza, que farrapos miseráveis estendidos sobre a palha passavam por bons colchões. 3 Ensinava também seus frades a construir casas pequenas e muito pobres, choupanas de madeira e não de pedra, de aspecto muito humilde. Detestava não só o luxo das casas como também os utensílios muito numerosos e requintados. 4 Não queria nada nas mesas e na baixela que lhe recordasse o mundo, mas que tudo proclamasse a pobreza e cantasse a condição de peregrinos e de exilados.

 

REFLEXÃO

Este capítulo traça um retrato mais amplo do que o fundador desejava para a vida daqueles que seguissem seu carisma. E nesse, nós irmãos franciscanos seculares, temos ensinamentos profundos para nossa vivência franciscana. São quatro itens que entram em discussão: livros, leitos, edifícios e utensílios. Tratam de como deve ser nossa precariedade.

Quando trata dos livros o texto não os negligencia. Eles são importantes, pois suas palavras nos revelam o que o Senhor fez e o que devemos fazer, a partir de Seu exemplo. Este tema também aparece nas Admoestações, conjunto de orientações espirituais recolhidas pelos primeiros frades. Nela está expressa assim a forma como devem ser vistos os textos sagrados:

 

(...)E são mortos pela letra os religiosos que não querem seguir o espírito da letra divina mas só desejam saber mais as palavras e interpretá-las para os outros.(…) E vivificados pelo espírito da letra divina são aqueles que não atribuem ao corpo toda letra que sabem e desejam saber mas por palavra e exemplo devolvem-nas ao altíssimo Senhor Deus, de quem é todo bem.(Ad. 7,3-4)

 

Desta forma, as Escrituras e o conhecimento adquiridos nos livros devem ser usadas para espalhar o exemplo de Cristo na Terra. Voltamos a ideia de que o viver é mais profundo que o saber. Sabedoria sem vivência de nada adianta. Isso é muito importante para nossa vida fraterna. Não podemos usar nossos dons de maneira a nos vangloriarmos por eles.

Quanto aos leitos e prédios suas orientações são bem conhecidas. Como cita São Boaventura na Legenda Maior, o Irmão Menor chegou a derrubar algumas casas e deixou claro que não deveriam ser moradias grandes como as dos ricos. Na verdade, os irmãos deveriam construir casas pequenas e pobres. Essas posses deveriam ser vistas como temporárias, pois os frades e penitentes devem agir como peregrinos e forasteiros, da forma como ele expôs no seu Testamento. O desapego é fundamental! Não é um mero detalhe!

Certamente, muitos de nós vamos achar que isso é um exagero. Em uma sociedade de consumo, como a que vivemos hoje, isso vai soar como algo radical. Será que é isso? Se pararmos para ler sobre a sociedade em que viveu Francisco entenderemos suas preocupações. As cidades estavam a crescer e o comércio passou a ser uma atividade importante. Assim como hoje, todos queriam comprar novidades. Francisco pertenceu ao grupo que hoje a História chama de burgueses. Estes “novos-ricos” passaram a buscar a ostentação como instrumento de seu poder. Era assim que mostravam que tinham que ser respeitados na sociedade onde até então quem mandava eram os nobres.

O Poverello, ao conviver com estes, sabia que esse modo de vida trazia uma prática cristã distante do que deveria ser uma vida de penitência. Nisso encontramos um dos pontos cruciais de nosso carisma. Muitos de nós podemos ter casas luxuosas, carros caríssimos, objetos valiosos, mas devemos questionar se isso está de acordo com a vida que professamos. Não cabem aqui julgamentos. Temos muitas traves em nossos olhos para tratar do cisco dos irmãos. Porém, a reflexão é importante.

Muitas fraternidades no passado possuíam bens de grande valor e isso afastou os irmãos do ideal. Não podemos perder isso de vista. Como dizia Santa Clara: Não perca de vista seu ponto de partida.

Sabemos que tudo que é luxuoso nos chama atenção, por isso condenava o requinte e as baixelas, que nesse texto tornaram-se símbolos daquilo que a cristandade colocava no lugar do Altíssimo. Nas sociedades industrializadas atuais o luxo é algo comum. Mas, isso não pode afetar a vida fraterna. Essa era a preocupação de Francisco. Jesus era pobre, não tinha onde reclinar a cabeça. Nós não devemos viver diferente do mestre. A simplicidade deve permear e balizar nossas vidas. A pergunta que sempre deveria ser feita é: somos detentores de algo ou este algo nos aprisiona?

Peregrinos que somos devemos carregar o mínimo possível em nosso coração. Ou seja, a preocupação com os bens não é principal. Como forasteiros devemos ser sinal de leveza e arautos do Senhor por onde quer que passamos.

 

PARA MEDITAR: 

Como devemos então lidar com os bens que a sociedade no entorno valoriza e muitas vezes atribui valores maiores que a criação de Deus?

E quanto aos bens das fraternidades, como devemos geri-los e que papel devem ter na fraternidade?

E pessoalmente, mesmo que nossas profissões, cargos ou posição social nos proporcionem acesso a bens materiais de valor elevado, como deve ser nosso comportamento? Ou seja, que papel devem ocupar em nossas vidas? Devemos ser colecionadores ou acumuladores?

 

Texto de Jefferson Eduardo dos Santos Machado – Coordenador de Formação da Fraternidade Nossa Senhora Aparecida – Nilópolis (RJ)

 

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