Sexta, 03 Julho 2020 15:31

OFS e o Espelho da Perfeição: reflexão sobre o capítulo VIII

Capítulo VIII

Como repreendeu seu vigário por ter mandado construir ali uma pequena casa para rezar o oficio.

 

1 Em outra ocasião, o vigário de São Francisco mandou começar a construir, no mesmo lugar, uma pequena casa, onde os frades pudessem repousar e rezar suas horas; 2 porque, devido à multidão de frades que vinham àquele lugar, os frades não ti­nham onde pudessem rezar o oficio. 3 Pois todos os frades da Ordem acorriam ali e ninguém era recebido à Ordem senão ali.

4 Quando a casa estava quase pronta, o bem-aventurado Francisco voltou àquele lugar e, estando na cela, ouviu o ruído dos que ali traba­lhavam; chamando seu companheiro, perguntou-lhe o que esta­vam fazendo aqueles frades. Ele contou como era tudo.

5 Mandou chamar seu vigário na mesma hora  e lhe disse: “Ir­mão, este lugar é modelo e exemplo para toda a religião; por isso, prefiro que os frades deste lugar suportem as privações e os incômodos por amor a Deus, 6 e os outros frades que vêm aqui levem o bom exemplo da pobreza para seus luga­res. Pois, se os que moram aqui satisfazem plenamente suas co­modidades, também os outros seguirão o exemplo de construir em seus lugares, 7 dizendo: Em Santa Maria da Porciúncula, que é o primeiro lugar da Ordem, constroem-se tais e tantos edifícios; também nós podemos construí-los em nossos lugares”.

 

Reflexão

 

Neste capítulo observamos que o autor do espelho da perfeição, mais uma vez, trata do tema da posse de imóveis. Neste momento, certamente, o debate sobre a construção, compra ou recebimento de bens materiais como doação devia estar tomando conta das fraternidades da Ordem dos Frades Menores. Segundo Francisco, buscar a comodidade traria problemas para a vivência do que ele pensa do ideal dos frades.

E o que o texto tem de informações importantes para nós franciscanos seculares? Talvez a informação mais relevante seja a luta de Francisco contra a incoerência. Como exigir dos Irmãos uma vida simples, humilde e pobre se como instituição construímos palácios, catedrais e uma grande quantidade de edifícios?

A palavra coerência tem como origem a termo latino "cohaerentĭa", e trata da coesão ou relação entre uma coisa e outra. Na vivência da fé cristã a palavra deve estar sempre relacionada à prática. É isso que temos que almejar. 

Segundo Thomas Morus, “Sê o que quiseres, mas procura sê-lo totalmente”. Nossas fraternidades não podem estudar e meditar sobre  a pobreza e não vivê-la na prática. Como os novos irmãos e irmãs se sentiriam se isso acontecesse? Segundo Francisco, a incoerência não proporciona seguidores. A prática não pode se afastar da teoria, ou seja, da formação.

Pode ser que a coerência esteja também na necessidade da demonstração das fragilidades que todos nós seres humanos possuímos. Temos que mostrar que estamos a caminho. não estamos prontos. Como fraternidade, seja no nível que for, nossa obrigação é colocar um aviso de que estamos em construção . Desta forma, nossos simpatizantes e iniciantes terão a certeza de que como fraternidade cristã também somos passíveis de erros. Não devemos fazer propaganda enganosa.

Outro autor que trata do tema é Santo Inácio de Antioquia. Segundo ele, “É melhor calar-se e ser do que falar e não ser. É maravilhoso ensinar, quando se faz o que se diz”. Falar sem coerência é cometer verborragia. Os que virão ao nosso encontro nos acharão vazios. 

Outra coisa importante é a noção de como o Testamento confirma esta ideia de que os irmãos são fundamentais para balizar nossa caminhada fraterna. Assim diz Francisco:

"E depois que o Senhor me deu irmãos ninguém me mostrou o que eu deveria fazer, mas o Altíssimo mesmo me revelou que eu devia viver segundo a forma do santo Evangelho".

Será que temos observado nossas incoerências? Que som tem ecoado de nossos encontros e atividades da fraternidade? Será que não somos incoerentes? Temos que escutar o sentimento dos irmãos, inclusive dos que chegam. Abrir espaço para falarem o que tem passado. Muitas vezes achamos que o cronograma, a formação e os momentos que preparamos para nossos encontros são mais importantes que o ouvir ao outro. Será que isso é coerente?

Volto a uma temática anterior. A precariedade e o sentimento de peregrinação constante é o que marca nosso carisma. Temos que ser desapegados. Não podemos buscar a segurança total como fraternidades. Se não for assim, nosso discurso, ou seja, a base de tudo que estudamos em nossas formações, será vazio. 

Fraternidades pomposas que falam de um Santo pobre. Irmãos orgulhosos que tratam de humildade. Proprietários de prédios maravilhosos onde nos trancamos e falamos de um irmão necessitado imaginário. Nossas ações devem ser guiadas pelo Evangelho. Outro questionamento importante, a partir deste trecho seria: O que Frei Francisco nos falaria? Será que falaria conosco da mesma forma que aos frades da Porciúncula?

 

Para meditar:

 

Somos uma fraternidade de espiritualidade francisclariana ou um clube de amigos que se encontram somente para rezar e não temos práticas coerentes?

O que nossa fraternidade precisa observar para viver sua espiritualidade de forma coerente?

 

Texto de Jefferson Eduardo dos Santos Machado – Coordenador de Formação da Fraternidade Nossa Senhora Aparecida – Nilópolis (RJ)


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