Sexta, 23 Junho 2017 12:31

Sangue e água: Mistério de morte e vida

Dizer coração é dizer amor, o amor inatingível e desinteressado, o amor que vence pela inutilidade, que triunfa pela fraqueza, que morto dá a vida, o amor que é Deus.
Karl Ranher.

 

Frontispício

 

Ninguém se afaste do amor 
do vosso bom Coração. 
Buscai, nações, nessa fonte 
as graças da remissão.

 

Aberto foi pela lança 
e, na paixão transpassado 
deixou jorrar água e sangue 
lavando nosso pecado

 

Hino das I Vésperas da Solenidade

Por ocasião da celebração da solenidade do Coração do Redentor fixemos nossa atenção no mistério pascal que se concretiza no dom da vida do Senhor e em seu peito aberto. Sangue e água, morte e vida. Dor e amor. Dor e abandono fecundos. Todos podemos beber, com perene alegria, na fonte salvador.

 

1. O coração é espaço do homem que é síntese de sua pessoa. O coração é a parte central do homem. É lá que todo o seu ser toma consistência e consciência de sua unidade. A partir deste nó primordial é que o ser humano se desenvolve, se desdobra, ele que é alma corpo e espírito. É ali que tudo se liga e se consolida, para lá tudo converge. De lá partem todas as correntes vitais do homem, todos os caminhos de sua vida pessoal. Toda palavra, decisão ou ação que reflete a integralidade e a autenticidade da pessoa são oriundas desse centro dela que é o coração, único ponto onde se concentra a totalidade do ser humano. Tudo o mais é sem conteúdo e consistência; todo o resto, no plano da pessoa, nada mais é do que realidade informe. E o homem pode amar de todo o coração. Quer dizer com sua essência. O coração de carne é símbolo dessa unidade interna, desse coração de lá dentro. Jesus tem o coração aberto. Esvaziou-se e deu tudo. Amou até o fim.

2. Duas realidades deverão ser levadas em consideração na transfixão do coração. “Sobre a cruz contemplamos um coração morto e ferido pela morte; mas é um coração que do mais profundo dessa morte, no instante mesmo em que é aniquilado, deixa prorromper a fonte da vida, a água e o sangue, sinais da ressurreição. Como diz Orígenes, o novo Adão adormecido na cruz não foi como os outros mortos. Do mais profundo da morte deu mostras de vida na água e no sangue e foi por assim dizer um morto novo. Necessário captar bem a novidade radical do evento que se realiza em referência ao antigo sono (de Adão). Este constitui um daqueles sinais gloriosos de que se compraz o evangelista João na descrição do relato da Paixão. Aquele cadáver suspenso no patíbulo maldito já é o corpo do Ressuscitado” (Édouard Glotin). Ao morrer, ao realizar tudo o que era possível realizar, já inaugurava a ressurreição.
3. A efusão de sangue e de água recordava a fragilidade da natureza humana de Cristo sujeita à paixão e à morte, a água que brota manifesta já a ressurreição e a vida no Espírito. Para João, esse mistério da paixão-morte-ressurreição se realiza no momento querido pelo Pai, aquela hora pela qual Cristo havia tanto suspirado. Tudo isso brota do coração de Cristo, ou seja, da totalidade dele mesmo.


4.
 E agora São Boaventura: “Considera, ó homem redimido, quem é aquele que por tua causa está pregado na cruz, qual é a sua dignidade e grandeza. A sua morte dá vida aos mortos, por sua morte choram o céu e a terra, e fendem-se as pedras mais duras. Para que do lado de Cristo, morto na cruz, se formasse a Igreja e se cumprisse a Escritura que diz: Olharão para aquele que transpassaram (Jo 19,37), a divina Providência permitiu que um dos soldados lhe abrisse com a lança o sagrado lado, de onde jorraram sangue e água. Este é o preço da nossa salvação. Saído daquela fonte divina, isto é, do íntimo de seu coração, iria dar aos sacramentos da Igreja o poder de conferir a vida da graça, tornando-se para os que já vivem em Cristo bebida da fonte viva que jorra para a vida eterna” (Liturgia das Horas III, p. 571).


5
. Agora, a vez de João Crisóstomo: “De seu lado saiu sangue e água (Jo 19,4). Não quero, querido ouvinte, que trates com superficialidade o segredo de tão grande mistério. Falta-me ainda explicar-te outro significado místico e profundo. Disse que esta água e este sangue são símbolos do batismo e da eucaristia. Foi desses sacramentos que nasceu a santa Igreja, pelo banho da regeneração e pela renovação do Espírito Santo, isto é, pelo batismo e pela eucaristia que brotaram do lado de Cristo. Pois Cristo formou a Igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa (Liturgia das Horas II, p. 416).


6. E uma prece para concluir:

Nas chagas gloriosas do Senhor
Senhor Jesus, contemplo teu Coração dilacerado,
coloco-me diante desta porta aberta,
desse abrigo seguro,
desse ninho acolhedor e protetor.
Vou caminhando pelas trilhas da vida:
hoje encontro amigos e delícias na convivência,
amanhã defronto-me com a solidão e experimento
o gosto amargo de tantas decepções, rivalidades, conflitos.
Cheio de ânsias de amar e ser amado,
Senhor Jesus, tropeço em ilusões,
choco-me com fantasias egoístas,
cambaleio de fraqueza.
Sou um ser de contradições e paradoxos.
Canso-me correndo atrás de quimeras.
Extenuado, deito às margens dos caminhos da vida
e agora posto-me diante de teu coração aberto.
Deixa, Senhor, que eu descanse em teu coração,
que eu entre nessa intimidade vigorosa e quente.
Aguardo a força do teu amor que jorra desse
Coração dilacerado, dessa fenda aberta de teu lado.


Frei Almir Guimarães, 
OFM

 



Fonte: Franciscanos

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