Capítulo XVII
Envergonhava-se de verdade quando via alguém mais pobre do que ele.
1 Uma vez, quando encontrou um pobrezinho, considerando sua pobreza, disse a seu companheiro: “A pobreza deste homem causou uma grande vergonha em nós e questiona muito a nossa pobreza; 2 pois sinto a maior vergonha quando encontro alguém mais pobre do que eu, porque escolhi a santa pobreza como minha senhora, como minha alegria e minha riqueza espiritual e corporal 3 e no mundo inteiro correu a notícia de que fiz profissão de pobreza diante de Deus e dos homens”.
Reflexão:
Quando nos deparamos com trechos como esse, nas hagiografias sobre São Francisco, podemos nos levar a análises errôneas. Muitos diriam que ele busca na pobreza uma glória ou uma forma de mostrar-se. Mas não é isso, certamente.
Ele reafirma aí seu pacto com a pobreza. Sua vergonha vem do fato de que mesmo ele tendo feito uma promessa a Deus, o mundo não o deixa ser o mais pobre. Ou seja, existem pobres que são tão pobres que não conseguimos imitá-los.
Assim como o Papa Francisco afirma na Fratelli Tutti, existem pessoas que são tão pobres e desprezadas que se tornam invisíveis e inservíveis. Isso certamente não acontecia com o Pai Seráfico. Tratava-se de um pobre que era procurado e tinha serventia para muitas pessoas.
Francisco sabia que por mais que abdicasse dos bens e do poder nunca sentiria o mesmo abandono que os outros pobres da sociedade. Ele tinha, na visão do povo, algo a oferecer. A pobreza dele era comemorada e corria o mundo todo, mas a dos outros trazia asco e repulsa.
Dessa forma, ele questiona se o caminho que escolheu realmente está coerente com o dos outros pobres. Ele tem consciência de que não é tão flagelado quanto os outros que acabam sofrendo o suplício da miserabilidade.
Por isso, devemos sempre questionar os caminhos que estamos seguindo em nossa vida cristã franciscana. Será que sentimos vergonha ou asco pelos pobres? Em uma sociedade em que a fome é uma realidade marcante em cada esquina, viela ou rua, será que nos mantemos confortáveis? Ou seja, será que não conseguimos ver que ter pobres com esses é uma derrota para todos nós?
São Francisco, mesmo abraçando as privações da vida, não cerrou os olhos para aqueles que não contavam com nenhum apoio ou olhar de caridade. Ficava envergonhado. Devia questionar, sentir que onde chegava as pessoas querem lhe servir, falar com ele e estar ao seu lado. Enquanto as irmãs e irmãos que não escolheram ser pobres eram ignorados, não recebiam ajuda e não tinham com quem conversar.
Como franciscanos e franciscanas temos que olhar a pobreza com esse foco. Se não conseguimos viver como eles, por ser uma situação muito ruim, deveríamos nos envergonhar diante da dificuldade material e solidão desses e dessas. Ao nos preocuparmos somente com nossa situação, achando que o que fazemos e o que somos são o maior sinal de fé, estaremos errando, pois temos que nos envergonhar diante do que nós, como sociedade, fazemos com nossos irmãos e irmãs, que por vezes não tem as mesmas condições que nós de viver uma vida digna.
Para meditar:
1 - Como nos colocar diante desse questionamento feito por Francisco, que é visto como um daqueles que seguiu de forma mais radical a pobreza?
2 - Como temos olhado para os irmãos e irmãs em situação de vulnerabilidade social? Será que estamos sensíveis a tudo que nosso país tem passado? Ou nos mantemos em nossas salas e templos apenas realizando nossos ritos sem nos questionar como fez Francisco?
Texto de Jefferson Eduardo dos Santos Machado - Coordenador de Formação da Fraternidade Nossa Senhora Aparecida - Nilópolis (RJ)