19 de abril de 2014- Sábado Santo
O REI DORME
Este é o sábado santo. Não é o sábado de aleluia. Neste dia cessam os ruídos, a fala se torna quase imperceptível. Tudo se reveste de silêncio. Nós, os discípulos, nos revestimos de sentimentos de gratidão pela vida, paixão e morte do mais belo dos filhos dos homens. De alguma forma, atualizamos o abandono do Senhor na morte. Sábado santo, dia de silêncio e de recolhimento. A Igreja não celebra liturgia alguma. A cruz está vazia. Jesus foi colocado num sepulcro novo, num jardim.
“A liturgia determina que passemos o dia inteiro ao pé da sepultura de Cristo morto. E assim nos faz entrar em nosso próprio túmulo, na profundidade de nossa alma, de modo a nos tornarmos um com a essência de nosso ser, com as raízes de nossa vida. Cristo não só morreu a nossa morte, como também passou três dias morto. Nada podia fazer, nada sentir; desprovido de vida, estava incomunicável. No túmulo, Cristo experimentou a morte como uma solidão radical, a que nenhuma palavra de amor tinha acesso. O Sábado santo quer nos dizer: Cristo introduziu-se em nossa solidão, no frio e na rigidez de nossa vida. E lá, onde antes a morte imperava, agora seu amor reside. Ali, onde somos desligados da vida. Ele nos alcança com sua palavra de amor” ( Grün/Reepen, O ano litúrgico como ritmo de uma vida plena de sentido, Vozes, p. 63-64).
“Que está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande silêncio e uma grande solidão. Grande silêncio, porque o Rei está dormindo; a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e acordou os que dormiam há séculos. Deus morreu na carne e despertou na mansão dos mortos.
Vai, antes de tudo, à procura de Adão, nosso primeiro pai, a ovelha perdida. Faz questão de visitar os que estão mergulhados nas trevas e na sombra da morte. Deus e seu Filho vão ao encontro de Adão e Eva cativos, agora libertos dos sofrimentos. O Senhor entrou onde estavam, levando em suas mãos a arma da cruz vitoriosa. Quando Adão, nosso primeiro pai o viu, exclamou para todos os demais, batendo no peito e cheio de admiração: “O meu Senhor está no meio de nós”. E Cristo respondeu a Adão: “E com o teu espírito”. E tomando-o pela mão, disse: “Acorda, tu que dormes, levanta-te dentre os mortos, e Cristo te iluminará”.
“Eu sou o teu Deus que, por tua causa me tornei teu filho; por ti e por aqueles que nasceram de ti, agora digo e com todo o meu poder, ordeno aos que estavam na prisão: “Saí!” E aos que jaziam nas trevas: “Vinde para a luz!”; e aos entorpecidos: “Levantai-vos!” (...).
Por ti, eu, teu Deus, me tornei teu filho; por ti, eu, o Senhor tomei a condição de escravo. Por ti, eu, que habito no mais alto dos céus, desci à terra e fui até mesmo sepultado debaixo da terra; por ti, feito homem, tornei-me como alguém sem apoio, abandonado entre os mortos. Por ti, que deixaste o jardim do paraíso, ao sair de um jardim, fui entregue aos judeus e, num jardim, crucificado”. (De uma antiga Homilia no grande Sábado Santo)
Frei Almir Ribeiro Guimarães