Capítulo VII
Como quis demolir uma casa que o povo de Assis construíra em Santa Maria da Porciúncula.
1 Aproximando-se o tempo do Capítulo geral, que se realizava todos os anos em Santa Maria da Porciúncula, vendo que os frades se multiplicavam a cada dia e que anualmente todos se reuniam ali — e não tinham senão uma pequena cabana, coberta de palhas, cujas paredes eram de ramos e barro — 2 o povo de Assis reuniu seu conselho e, em poucos dias, com muita pressa e devoção, levantaram ali uma grande casa, construída de pedra e cal, sem o consenso de São Francisco e na sua ausência.
3 (...) Temendo que, a pretexto daquela casa, os outros frades também mandassem edificar grandes habitações nos lugares onde moravam ou haveriam de morar 4 e porque desejava que aquele lugar sempre fosse o modelo e o exemplo para todos os outros lugares da Ordem, antes de terminar o capítulo, subiu ao telhado (cf. Lc 5,19) (...) 5 e, junto com os frades, começou a lançar para a terra as telhas que cobriam a casa, querendo destruí-la até os fundamentos.
6 Mas alguns soldados de Assis, que estavam ali para guardar o local por causa da multidão de forasteiros que se reuniram para ver o Capítulo dos frades, 7 vendo que, com os demais frades, o bem-aventurado Francisco queria demolir a casa, imediatamente foram até ele e disseram-lhe: “Irmão, esta casa pertence à comuna de Assis, e nós estamos aqui em nome dela. Por isso, proibimos-te de destruir a nossa casa”. 8 Ouvindo isso, São Francisco disse-lhes: “Então, se a casa é vossa, não quero tocá-la”. E imediatamente ele e os outros frades desceram dela.
9 Por isso, o povo da cidade de Assis resolveu que, para o futuro, quem fosse o podestà da cidade, teria a obrigação de mandar repará-la. E essa norma foi observada todos os anos, por muito tempo.
Reflexão
Neste trecho do Espelho da Perfeição vemos surgir novamente o tema da posse de habitações e lugares. Desta forma, podemos constatar que essa discussão deveria trazer grandes problemas aos frades, principalmente após a morte de Francisco. Já tratamos de forma profunda esta questão e devemos sempre tratá-la. Nossas fraternidades seculares devem estar atentas quanto a posse de bens imóveis. Pelo menos dois questionamentos devem estar sempre em nossa consciência: Qual é o objetivo de tê-los e qual será o seu uso?
Se não questionarmos é melhor nem possuir nada. Francisco demonstra medo de mudar o status da Porciúncula, que deveria ser o modelo para as moradias e lugares dos frades. Como dito anteriormente, a precariedade era fundamental para a vivência dos irmãos.
Vamos então nos deter em algo diferente que surge neste texto. O relacionamento da fraternitas e o entorno, ou seja, com a cidade de Assis. Qual seria o motivo dos cidadãos e autoridades se preocuparem com o bem-estar dos frades locais e daqueles que vinham para os capítulos? Já pensaram nisso?
Muitos vão dizer acertadamente – eles eram famosos e faziam bem a cidade. E direi a vocês que isso é uma chave muito especial para nossas fraternidades. Isso lança uma pergunta: como estamos nos relacionando com nosso entorno? Será que estamos suscitando a preocupação de alguém de fora com nossa situação, ou seja, com nossas necessidades?
Observemos esse trecho: “O povo de Assis reuniu seu conselho”. A força da fraternidade, mesmo que com um viver simples, despertou o desejo de ajuda dos cidadãos. Fez o povo se mobilizar. Fez com que quisessem abraçar aos irmãos. O amor que eles demonstravam pelos assisenses os levou à reciprocidade. Que amor temos demonstrado pelas comunidades que estão a nossa volta? Temos partilhado suas dores e felicidade?
Uma das características mais profundas do franciscanismo das origens e do movimento penitencial, ao qual estamos inseridos, é a proclamação do Evangelho através da fraternidade e de gestos fraternos concretos. Se nos trancamos e nos fechamos em nossas orações e devoções individuais não estamos abraçando o carisma que professamos ou não o entendemos.
Talvez sejam necessárias atitudes como a proposta por nossa Regra no seu item 15, que nos impulsiona a sermos testemunho com a nossa própria vida, promovendo a justiça, responsável por um renascer desta relação. Ou como no item 14, que nos direciona a nos juntarmos aos homens de boa vontade na construção de um mundo fraterno. Talvez seja isso que nos trará a confiança daqueles que presenciarem nosso testemunho.
Sobre essa necessidade de lermos os fatos que aconteceram com nosso fundador, de um modo especial também tratam nossas Constituições Gerais em seu Artigo 18:
- Os franciscanos seculares são chamados a oferecer uma contribuição própria, inspirada na pessoa e na mensagem de Francisco de Assis, para uma civilização em que a dignidade da pessoa humana, a corresponsabilidade e o amor sejam realidade vivas
Por fim, devemos fazer poucas coisas, mas fazer o que é significativo. Irmos a orações, novenas, encontros de formação e outros é fundamental para a nossa vida fraterna. Porém, nosso carisma se dá no encontro com o outro. Se não estivermos em sintonia, pelo menos com aqueles que estão em nosso raio de ação, alguma coisa não está funcionando. Pensemos nisto!
Para meditar:
O que este Capítulo do EP tem a te dizer como Franciscano Secular?
Será que sua fraternidade tem um contato tão próximo com o seu entorno como Francisco e seus irmãos?
O que estamos fazendo para nos relacionar com a sociedade e encantá-la com o nosso ideal?
Texto de Jefferson Eduardo dos Santos Machado – Coordenador de Formação da Fraternidade Nossa Senhora Aparecida – Nilópolis (RJ)