Deus nos criou e imprimiu uma natureza e uma imagem em nossa alma. Com a Encarnação de seu Filho a natureza humana torna-se participante da natureza divina, uma fusão de naturezas. O maior encontro de todos os tempos. Algo mudou definitivamente na identidade humana e divina. Isto invade a interioridade humana e todo o universo. (2) O Amor de Deus não tem limites e nos convida a buscar a felicidade. O caminho para a felicidade é portador de desafios. Alegria e dor estão conosco nas setas indicativas da vida. O que nos impacta nos leva a mudanças.
No caminho franciscano isto manifesta-se como Conversão: mudar de mentalidade, mudar de lugar, mudar de rumo, mudar o modo de pensar, mudar o modo de ser, de querer, de sentir e de amar. (3) O próprio Jesus, ao vestir-se da carne humana, veste-se do máximo despojamento, da veste da Minoridade. Ele quer estar entre nós, quer servir, quer amar, quer sofrer, quer morrer por Amor. Diante de um Amor assim temos que ter gratidão. Jesus assume com humildade o nosso jeito para nos tornar humildes. Francisco compreende e assume esta postura.
(4) Para Francisco a Paixão de Cristo é a máxima expressão do Amor Humilde, porque é a máxima doação. Ele olha, contempla a Paixão, mas entra nela, se sente engajado, se incorpora nesta paixão. Impressiona a revelação do Cristo Crucificado. Ao olhar sente que a Cruz fala. Ele vê e escuta.
Vamos conferir estes textos: 2Cel 10; 2Cel 11 e LM 1,5.
Estes relatos nos mostram como Francisco se abre de corpo e alma ao mistério da Cruz. Integra a Paixão na sua natureza humana. A vida tem realidades mais desafiadoras e ásperas. Há uma força vital de oblação. Ele entra com emoção: chora por paixão, chora por alegria. Há transbordamento de emoção. Sofre a dor, mas mergulha no mar da gratidão. O mundo é tocado pelo sangue do amor oferente.
A MINORIDADE E A CRUZ
Vamos ver isto na Carta aos Fiéis: (5) “Esta Palavra do Pai tão digna, tão santa e gloriosa, o altíssimo Pai a enviou do céu por meio de seu santo anjo Gabriel ao útero da santa e gloriosa Virgem Maria, de cujo útero recebeu a verdadeira carne da nossa humanidade e fragilidade” (2Fi 4).
A Cruz dá os contornos da existência. Cristo é o centro da criação e o centro da história e existência humana. Por isso a Cruz também ocupa um lugar central como caminho norteador. Somos membros de um Corpo Místico do qual Cristo é a cabeça. Uma cabeça cingida das marcas da Cruz, com seus espinhos penetrantes. O Corpo Místico não é adornado com bugigangas do mundo, mas com as marcas de um Amor que foi capaz de sofrer. O caminho indicativo da salvação passou pelo Calvário.
(6) Sofrer faz parte de um processo de purificação para instaurar uma nova vida. Isso mexe com a nossa vida. É uma convocação própria de Jesus: “ Quem quiser me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. No sinal e na força da cruz aparece a nossa identidade de Penitentes.
O olhar de Francisco de Assis sempre foi a partir da Paixão. Ele se encanta com o Amor desinteressado, pelo Amor que se esquece do próprio eu. “Em tudo queria ser conforme o Cristo Crucificado”. Para ele, o Cristo suspenso na Cruz é expressão de Pobreza máxima. Isto lhe dá um a nova visão de vida. Trazendo a cruz em seu coração, sua vida, espontaneamente, se tornou outra. As coisas, as pessoas, os acontecimentos, tudo lhe aparece numa nova luz.
A Cruz passou a ser a medida de sua vida interior. Morte para as coisas do mundo, nascimento para uma nova valorização do mundo. O conforto mundano, o sonho da juventude, agora se tornou para ele Cruz. Ele está unido integralmente a Paixão do Mestre. (7) Ele vence o egocentrismo de sua vida e a Cruz torna-se o argumento forte da Minoridade. Ele sai da camada do padecer sentimental, para viver o compadecer: sofrer porque o Mestre sofreu. Diz São Boaventura: “O grande admirável mistério da Cruz se revelou a este Pobre de Cristo de um modo tão perfeito, que durante toda a sua vida só seguia os passos do Crucificado, só encontrava a felicidade na Cruz, e só pregava a glória da mesma Cruz!”
Quando o Senhor lhe tinha dado um número considerável de Irmãos, a Forma de Vida, a Regra de Vida é esta: “ A Regra e a vida destes irmãos é esta: viver em obediência, em castidade e sem propriedade e seguir a doutrina e as pegadas de Nosso Senhor
Jesus Cristo que diz: Se queres ser perfeito, vai e vende tudo que tem e dá aos pobres e terás um tesouro no céu; e vem e segue-me. E se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo e tome a sua cruz e siga-me” (Rnb 1,1). E no Testamento: “Nós vos adoramos, Santíssimo Senhor Jesus Cristo, aqui em todas as igrejas que estão pelo mundo inteiro, e vos bendizemos porque pela vossa santa Cruz redimiste o mundo” (Test 5).
A Vida de Penitência faz parte da Minoridade, como? Conviver com o modelo totalmente oblativo de Jesus Cristo, a sua dimensão sacrifical. Gratidão em face a humildade extrema de Jesus Cristo. Força de reconstrução da vida a partir do Crucifixo de São Damião. (8) Para nós a Cruz é um sinal evidente de missão: mudar-se e mudar o mundo. É a trilha que nossos pés percorrem. Nosso cristianismo nos coloca no peito uma cruz. Não pode ser apenas um brilhante amuleto em prata ou ouro, mas uma exigente realidade de seguimento. Mudar para instaurar o Reino não é algo tranquilo. Há muitos “nãos” quando se apresenta um Projeto de Salvação. Pecado ´´e um não de rebeldia ao sim que brota dos desafios. Deus não abre mãe de seu Amor, apesar de receber muitos nãos.
A vida é uma Via Sacra que revela o currículo do caminho feito pelo Mestre. O Deus Infinito, todo poderoso e amoroso, sapientíssimo, se limita a estreiteza de um seio materno, às contingências de um embrião, de uma criança em todas as etapas nas graduações evolutivas de sua formação. Cresceu em idade, sabedoria e graça. Está consciente dos altos e baixos das caminhadas neste mundo.
Faz a vontade do Pai. Faz de sua atuação o mais completo servir. Ganha pão no suor de seu rosto nos tempos ocultos de Nazaré: peso de trabalho e mão calejada. Vai confundir, aos 12 anos, os teólogos do templo. Trinta anos de anonimato num lar pacato. Desconhece a violência dos revolucionários, mas exige conversão. Enfrenta a egolatria dos fariseus e não tem medo de repreender. Comprova a verdade de suas palavras com milagres, e achavam que ele fazia isto pelo poder dos demônios. É maltratado, injuriado, caluniado, e sempre fugindo das armadilhas que querem prender e o levar a morte. “ Se digo a verdade, por que não acreditais? ”(Jo 8, 46).
Cada vez mais é apertado pelo círculo da perseguição. Encontra dormindo os que deviam vigiar. É traído. Passa por um tribunal que o condena. Quem o entrega é um dos doze. Não se defende. Os maus o acusam e nos bons se trancam no medo. Muitas vezes Ele se cala. Ele é a encarnação real do Servo de Javé (cf. IS 58).
(9) Um Deus feito Humano chega ao auge do sofrimento, experimentando um abandono total. Da flor da sua idade, 33 anos, e do meio de uma benfazeja missão de três anos de pregação, presença e milagres, é arrancado e submetido às mais cruéis das torturas na flagelação e coroação de espinhos.
O Deus feito Humano, o ser mais livre, está preso na Cruz. Não pode movimentar seus membros nem mexer a cabeça. Os soldados trancam o caminho dos que querem, se aproximar. Mesmo assim, neste momento, Ele sente vivamente a mão segura do Pai e entrega a Ele seu espírito. A partir de então seu Reino não é mais deste mundo, Ele não quer e nunca quis concorrer na luta pelo poder. Não veio para ser servido. (10) Deu literalmente cada momento de sua vida para todos. Humanamente o que poderia ser um fracasso tornou-se uma força universal de amor. Cumpriram-se os planos de Deus para que Ele fosse Salvador e Redentor. A partir de então Ele não pode mais ser apresentado sem a sua Cruz Salvadora e nem nós, cristãos e cristãs, poderemos viver sem a Cruz.
Ele ainda faz a derradeira prece de glorificação e triunfo (Cf Jo 17).
(11) Francisco entende bem esta força gloriosa da Cruz a partir do olhar do Crucifixo de São Damião: entrar na Mística da Cruz é ver nela a glorificação! Isto não é para todos. É reservado aos pequenos, aos menores: “ Jesus exulta de alegria no Espírito e disse: Pai, Senhor do céu e da terra, eu te dou graças porque escondestes essas coisas aos sábios e inteligentes e as revelastes aos pequeninos. Sim, Pai, bendigo-te, porque assim foi do teu agrado! ” (Lc 10,21).
(12) FRANCISCO DE ASSIS – O AMOR QUE DEIXA MARCAS
(A fala do corpo ardente)
(13) “Homem novo, Francisco tornou-se famoso por novo e estupendo milagre: por singular privilégio, jamais concedido nos séculos anteriores, apareceu assinalado, ou ornado, com os sagrados estigmas, configurando o seu corpo mortal ao corpo do Crucificado. Tudo o que a humana língua possa dele falar sempre estará aquém do louvor de que é digno. Inútil procurar a razão, porque é maravilhoso, nem se trata de buscar um exemplo, pois é único. Todo o empenho do homem de Deus, quer em público, quer em particular, dirigia-se para a Cruz do Senhor. Desde o primeiro instante em que começara a servir sob o Crucificado, diversos mistérios da Cruz resplandeceram em torno dele” (3Cel 2,1).
Quem centra a sua vida numa determinada busca, numa focada paixão, num visível enamoramento, vai percebendo que claramente, que o objeto deste Amor vai aparecendo nas nuances da vida. O que amamos nos surpreende em evidentes sinais como uma reveladora novidade. Francisco de Assis foi estigmatizado, e os estigmas são como as marcas do Crucificado que São Paulo dizia trazer consigo. Um humano renovado se molda sobre um caminho de grandes desafios e porque não, de sofrimento. (14) O Amor deixa marcas, e amar tem a sua glória e cruz, tem a sua flor e dor. Toda renovação vai à fonte inicial da vida que é parida em dor. E podemos perguntar: o que tem de humanidade nova nisto, o que tem de novidade?
A novidade presente em sofrer por Amor é muito raro na literatura espiritual antiga. Vamos encontrar no antigo Império Romano, a presença do termo novus ou novitas, no discurso de Cícero, orador romano, na sua peça de oratória, chamada “Pro Murena”, onde ele defende que não devemos ignorar as marcas deixadas pelo sofrimento nos caminhos da consolação. Para Cícero, as marcas da dor são glórias da luta. Cícero escreve isto para Murena, do senador romano, dizendo para ele que “as virtudes de um senador são mais importantes que o seu nascimento”. (15) As marcas deixadas pelo Amor não são sofrimento pelo sofrimento, mas reconhecimento.
Novo Homem, ou a novitas, pode ser entendido como o original. A sua Forma de Vida era viver o Evangelho segundo o Crucificado. Imprimiu na alma esta verdade, e da alma ficou impressa no corpo. Mas o que é o Humano Novo? São Paulo diz: “Em Cristo fomos fostes ensinados a remover o vosso modo de vida anterior – o homem velho que se corrompe ao sabor das coisas enganosas – e a renovar-vos pela transformação espiritual de vossa mente, e a revestir-vos do Homem Novo, criado segundo Deus, na justiça e santidade da verdade” (Ef 4,20-24). (16) Ser uma nova criatura não é revestir-se de si mesmo, mas revestir-se de Cristo. Fazer a investidura do que se ama. Isto é um processo para toda vida. A estigmatização de Francisco aconteceu 20 anos após a conversão, mas foram 20 anos de seguimento e imitação apaixonada. Voltemos a São Paulo: “Vós vos revestistes do homem velho com as suas práticas e vos revestistes do novo, que se renova para o conhecimento segunda a imagem do seu Criador. Aí não há mais grego ou judeu, circunciso ou incircunciso, bárbaro, cita, escravo ou livre, mas sim o Cristo que é tudo em todos” (Col 3,10-11). O Humano Novo não é apenas um indivíduo particular ou uma aventura psicológica de mudança efêmera, mas é um Humano Singular, Único, Original que assume uma nova postura de vida, como que uma nova aliança.
(17) Estigmatização é renovação vinda de um caminho percorrido, não é algo imaginário, mas é real quando se percebe uma extraordinária transformação. Renovar-se é a força do humano que não se sente mais escravo de nada, é livre, diante da natureza e da lei, do selvagem ao civilizado, mas acrescenta algo a identidade humana. Francisco apresentou-se ao mundo com as marcas da fraternidade que vinha de uma vivência cristológica. Ele marcou a vida de um modo original. No Cântico das Criaturas ele integrou a terra e os astros, o masculino e o feminino, o selvagem e o civilizado. O seu corpo é o corpo da existência fraterna, por isso pode integrar o natural e o espiritual, o bárbaro e o comportado, o homem e a mulher. “Se alguém está em Cristo, é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez uma realidade nova” (2Cor 5,17).
Voltando a Cícero, ele entendia o homem novo aquele que assumiu um cargo público e deve ser o primeiro a mudar. Voltando a Francisco de Assis, ele é o mercador, filho de mercador, desprezado pela nobreza de então, mas assumiu o código de cavaleiro, não pela função em si, pois jamais fez a iniciação Cavaleiresca, mas pelos valores que a sua vida exigia. Assim ele vence o desprezo e a incompreensão, ele vence a estigmatização social , mostrando que ele agira tem uma nova função, mesmo com todo sofrimento que isto implica. (18) Ele não se identifica mais com as funções que o pai e a sociedade queriam para ele, mas sim com a nova função, levar ao mundo o jeito sempre Novo da Boa Nova, nascida no presépio e complementada na Cruz, caminho total de mudança radical. O Evangelho e o Reino anunciado e vivido por Jesus tornam-se a grande novidade: a inesperada Humanidade de um Deus e a inquietude humana em abraçar esta Humanidade Nova, que vai trazer a máxima liberdade, a fecunda liberdade, o espírito de coragem, o acesso definitivo à filiação divina.
No Testamento, Francisco diz: “Foi assim que o Senhor concedeu a mim” (Test 1), ele sabe que ele não foi um profissional da religião, mas um enamorado guardião de uma grande Inspiração. (19) Os estigmas de Francisco são sinais concretos e não imaginação. O Cristo que o inspirou não foi estigmatizado, mas Crucificado! Os texto do Evangelho contam com mais detalhes a Paixão de Jesus do que o seu Nascimento.
A intensidade de uma vida deixa marcas e consequências. Não devemos nos prender a confusão entre narrativa e iconografia. Tem gente que está preocupada em provar se São Paulo caiu ou não do cavalo em Damasco. Toda a questão é ver o que mudou na vida de São Paulo. Nós também não precisamos buscar o corpo de Verônica Giuliani, Catherine Emmerich, e Padre Pio de Pietrelcina, para ver fenômenos excepcionais que aconteceram neles. Mas buscar sim indícios na vida de Francisco de Assis e de outros, quanto a uma grande transformação do humano em divino.
(20) Os estigmas de Francisco são descobertos e decifrados depois da sua morte, mas as marcas de Cristo já estavam com ele em vida. Marcas são reconfigurações em vida e que a morte deixa como uma herança.
Francisco de Assis recebeu a marca de um Serafim, é a polivalência de uma teofania. É o a chama que se acende quando o Anjo e o Homem se encontram. É a figura divina inacessível ferida de Amor e dor que toca o Humano ferido de Amor e dor. É o encontro heroico com as marcas do Amor que glorificam uma entrega. (21) Vida evangélica, vida mística, vida fraterna deixam marcas do interior para o exterior.
Francisco de Assis tem que ser visto na inteireza de sua vida e não no fato isolado de sua estigmatização. Porque os estigmas são convergência de um caminho de santidade, de fundador de uma Ordem, de um profeta de um novo mundo. Os estigmas recontam a vida de Francisco do início ao fim, mostram a inteireza de sua existência. Ele é o Humano Novo dentro de um mundo envelhecido de ontem e de hoje. Ele libertou o mundo de então da depressão coletiva, de voltar-se para o egoísmo, ambição e avareza, de fixar-se em propriedades, de privilégios de sangue e castas sociais, e fazer com que a fraternidade não fosse apenas um modo de monges viverem juntos, mas o jeito de conviver nas estradas do mundo. Ele fez Cristo voltar a andar nos caminhos mais costumeiros da vida, e este Cristo que um dia andou pelas estradas da Palestina amou tanto que foi crucificado. Sofrimento e perfeita alegria. Transformação e laços consanguíneos com o Amado. (22) O corpo de Francisco foi marcado pela centralidade da sua busca: ser igual a Ele! Ele tatuou em sua carne a Palavra Encarnada e Inovadora.
Quem um dia deixou-se marcar pela Cruz trouxe a salvação para a humanidade. (23) O Amor não tem sofrimento inútil. O Amor é uma fusão de vontades amantes. Diz Tomás de Celano: “O filho respondeu diligentemente ao pai, sabendo que pelo Senhor lhe era dada a palavra da resposta: “Dize-me, por favor, ó pai, com quanta diligência teu corpo obedeceu às tuas ordens, enquanto pôde?” Ele disse: “Filho, dou meu testemunho de que ele foi obediente em tudo, em nada poupou a si mesmo, mas quase se precipitava s todas as ordens. Não fugiu de trabalho algum, não escapou de incômodo algum, bastava-lhe poder cumprir as ordens” (2Cel 211).
O corpo de Francisco de Assis não é mais dele, mas do Amor! Não é apenas um fragmento de macrocosmo, uma simples modalidade de viver nesta terra, não é um sangue anônimo. Ele é um corpo transfigurado pela vontade do Amor! É um corpo livre do mundo, da eclesiologia, das doenças e dos demônios, e de tudo o que o ameaça. Agora não é mais corpo em forma de carne humana, mas sim totalidade de uma vida, é Corpo de Cristo! (24)É um Corpo ritual e sagrado. Ele agora pode mostrar a dramatização de uma Encarnação: de Greccio ao Alverne este corpo mostra o que o Amor moldou em si. Em Greccio Francisco encenou o Presépio, no Alverne Francisco sangrou a Identificação com a Palavra Encarnada! É agora, não um Natal para crianças, mas uma Natividade para adultos. Quer Amar? Então toque o Verbo na sua manifestação mais natural e mais amorosa. Não e mais apenas ouvir a Palavra, mas ter a Palavra no sangue. A Palavra se fez Carne porque a Carne se fez Amor. É a Palavra expressiva num corpo expressivo. (25) Agora o corpo tem uma importância eterna porque tem as marcas do Amor!
(26) Francisco estigmatizado é o corpo traspassado de um desejo profundo. É o corpo que se fez portador da vontade do Senhor assim como Maria: “Faça-se em mim segundo a tua Vontade!” Maria deu-nos o Menino, o Emanuel, o Deus Conosco. Francisco no Deus o Cristo Pobre, Humilde e Crucificado. Greccio e Alverne se encontram na mesma verdade! Este Corpo arde e fala! Este corpo concretizou encontros e rupturas. Deu todos os bens para abraçar a Pobreza. Deu todo o afeto para abraçar o leproso. Deu toda a sua pureza de coração para abraçar a fraternidade. Deu todo os seus ouvidos ao Crucificado de São Damião que pediu a reconstrução da casa. Deu um novo início ao Evangelho transformando- o em Forma de Vida.
No corpo estigmatizado de Francisco a impressão de sua vida inteira, estigmatizada pela Pobreza, Obediência e Pureza de Coração. No corpo de Francisco as marcas de sua marginalidade assumida, pois foi rejeitado por nobres e cidadãos de sua época. No corpo de Francisco o Amor devorante de Deus e por Deus, um Amor capaz de assumir a fraternidade dos marginalizados da sociedade oficial. Como o Amado ele também abraçou os cegos, os camponeses, os paralíticos, os que não podiam ganhar nada para viver, as mulheres que não podiam nem falar e nem seguir fora da vigilância das autoridades. (27) Ele assumiu em si os estigmas sociais de seu tempo. Não foi um bode expiatório, sim um reformador fraterno de um modo mais leve de viver o Evangelho.
(28) No corpo estigmatizado de Francisco a responsabilidade de conduzir uma Fraternidade que nele acreditou e que não tinha onde reclinar a cabeça. Eram peregrinos e viandantes, vivia com os seus companheiros primitivos a beleza de estar no mundo como um claustro transitório. Neste mundo encontraram a criação que restituíram ao Criador, pois viram nela a fonte da beleza, do louvor e da graça, podiam falar da Criação como uma consanguinidade familiar, um laço universal que autoriza a falar de todas as criaturas como irmãos e irmãs. Devolveram tudo para não ter posse e inveja de nenhum acúmulo. Viveram uma metamorfose ambulante.
No corpo estigmatizado de Francisco a consolação bela e prudente da serena irmã e companheira, Clara de Assis! Ela entendeu que a Cruz tinha que ser guardada e cuidada para sempre, e que Francisco era seu Espelho. (29) Francisco foi ao mundo levar o Evangelho. Clara ficou no claustro para reviver o ventre de Maria. O Amor tem que ser concebido cada dia. Francisco teve que sofrer pela liberdade de Clara, mas os dois foram muito felizes na liberdade do Amor. A natureza do Amor foi reconstruída como o verdadeiro claustro. Em Clara a vida do Mosteiro é matriz na qual cada dia a palavra de Deus vem ao mundo. Clara não é apenas uma seguidora de Francisco, ela beija o sangue dos estigmas que ele conquistou e bene na mesma Fonte. Diz Angela de Foligno: “Na plenitude de Deus, eu colho o mundo inteiro, além de tudo, dos mares e dos abismos, do oceano de cada coisa. E em tudo, não percebo outra coisa que não seja a potência divina, de modo inenarrável. Então, no ápice da admiração, a minha alma exclama: esta natureza de Amor é grávida de Deus!” (Angela de Foligno, Memoriale, VI, 1285-1298 ).
No corpo externo estigmatizado de Francisco o esponsal com o corpo interno, a sua vida interior, marcada pelo Amor ao Crucificado. É uma prova evidente: ele que tocou com o Amor toda a obra de Deus, foi tocado com muito Amor pelo próprio Deus. Não é dor corporal, mas sentidos da vida que passam pelo crivo da entrega mais radical por Amor. (30) Francisco não somatizou a dor, mas sim deixou que o Amor marcasse seu corpo. Ele e o Amor tornaram-se Um!
Frei Vitorio Mazzuco, ofm