Terça, 21 Fevereiro 2023 19:45

FRANCISCANAMENTE: Guiados pelo Poverello de Assis

 

 Fevereiro de 2023

É com alegria que coloco no site da OFS  o número de fevereiro de 2023 desta revista eletrônica que fala das coisas da vida, do cristianismo e do jeito franciscano de viver.  Os acontecimentos de  ódio e de violência que assistimos  no final do ano passado e no mês de janeiro próximo passado nos deixaram estarrecidos.   O lobo de Gubbio ainda anda solto e não foi domesticado. As leituras que oferecemos deveriam nos ajudar a ser  pessoas evangelicamente de paz.

Frei Almir

 

1. Para começo de conversa

QUEM TEM VOCAÇÃO PARA A ORDEM FRANCISCANA SECULAR?

 A OFS é constituída por  leigos, homens e mulheres,  jovens e menos jovens que não se contentam em levar uma vida cristã sem sal, sem gás, sem entusiasmo.  São pessoas que questionam o modo comum de viver uma fé.  Querem ser mais do que observantes de ritos. Podem ou desejam encontrar nas  Fraternidades   uma  escola de santificação e uma plataforma segura para serem sal da terra e luz do mundo. Gente que responde  a um chamamento: “Vem e segue-me!” Desejam dar um passo além. Querem saber onde é a casa do 

  • Muitas pessoas, de modo especial nesses tempos que são os nossos, experimentam questionamentos e dúvidas a respeito da própria fé. São invadidas por solicitações de tantos grupos evangélicos ou não que mostram outros horizontes, ou  nenhum horizonte.  Esses todos que carregam dúvidas explícitas ou implícitas poderiam e deveriam participar da vida da OFS.  A OFS:  espaço de  revisão e fortalecimento da fé. Revisão da fé.  Como isso é urgente!  Um espaço de reconstrução da vida.

Podem ter vocação para a OFS  leigos de verdade, pessoas que querem ser leigos no mundo e não  “meio religiosas e religiosos”  Leigos que  gostam do jeito  de Francisco de Assis.  Um acendrado amor pela humildade de Deus em Cristo Jesus:  presépio e cruz.  Pessoas que se extasiam por um Deus que vem nos procurar. Gente  com admiração pelo  Serafim de Assis.

 Os vocacionados para a OFS  são pessoas que sentem atração pelas  grutas,  eremitérios,  retiros,  solidão com Deus.  Praticam a meditação,  gostam de caminhar na Presença do Senhor, participam de retiros que sejam retiros e não meras e perigosas  elucubrações  sobre temas da fé.  Gostam de ler textos sobre a oração dita mental.  Expõem-se sem palavras ao Senhor.  Em  silêncio. Têm sempre ao alcance das mãos um  livro de meditações com temas franciscanos.

  • Tais pessoas sentem-se vocacionadas à  missão. querem e precisam ir pelo mundo, sair de si, levar o fogo que têm para o trabalho, as salas de aula, aos lugares onde as pessoas precisam  de novo fôlego para existir.  Gostam do  Francisco que cuida dos doentes e leprosos. Gostariam de, com irmãos,  visitar os presídios,  cuidar do filho de uma presidiária que não tem ninguém para pedir socorro. Têm  vocação para a OFS aqueles e aquelas  que experimentam aversão em girar em torno de seus pequenos e pobres interesses. Sabem que nasceram para servir e servir como  “menores”.
  • Os vocacionados para a OFS são pessoas que querem sair da passarela, que não   perdem o tempo  preocupadas com tolas competições. Disto não precisam.  São menores. Querem desapropriar-se das coisas e de si mesmos. Sabem que tudo  recebem das mãos dadivosas de um Pai que alimenta as aves do céu.
  • Querem viver em fraternidades, junto com pessoas  com o mesmo. Não  pretendem, contudo, viver num ninho quente.  Aceitam os diferentes. Acolhem  os que estão a caminho.  Pessoas  ainda  não podem professar na OFS por diferentes motivos.  Gente sem  postura de superioridade. Gente em saída...  vivendo a fraternidade no grande mundo.

 

2. Reflexão

PARA O TEMPO DA QUARESMA

A quaresma é o tempo favorável  para começar  tudo de novo. Há o tempo de contemplar o Menino das Palhas. Há o tempo de ouvir a voz do Senhor e não fechar o coração.  Tempo de ouvir a voz  do Senhor  que impaciente quer nos falar. Tempo da quaresma.

Não podemos perder nenhuma ocasião que a vida nos apresenta para fortalecer  nosso homem interior.  Somos discípulos a caminho.  Rosto e olhar alevantados em direção ao horizonte. “Sois capazes de rejuvenescer o mundo, sim ou não?  O Evangelho é sempre jovem.  Vós é que estais velhos!”  (Georges  Bernanos).  Nunca o empenho de fidelidade e busca de limpidez na fé foi tão difícil quanto em nossos dias.  Com tantas transformações estamos sempre diante do imprevisível, daquilo que nos surpreende.  Precisamos de coragem.  Mal termina uma ventania, começa outra.  Será preciso fincar os pés em terreno firme.  Sem medo, ir procurando o mapa do caminho.  Importante tentar descobrir os caminhos do futuro que andam sendo esboçados  através de alguns  “sinais dos tempos” e, até mesmo por meio de nossa irritabilidade  com tudo aquilo sem sentido que nos vem amarrando como seres humanos e cristãos.  Lutar, perseverar. “Oxalá ouvísseis hoje a voz do Senhor e não endureçais os vossos corações”.

A Quaresma é um tempo favorável.  Tempo particular de dialogar com o Invisível.  Tempo de leitura feita com sabor.   Tempo para observar o silêncio  exterior e interior para que a Palavra deite raízes nos que se dispõem a acolhe-la.  Quem sabe trata-se de ouvir o Senhor pela primeira vez.  Nunca é tarde demais.

Escuta e silêncio caminham juntos.  “ A dominação soberana da mídia, que dita ideias e convicções pré-fabricadas, que suscita necessidades e estabelece o primado da ficção  sobre a realidade; o uso bobamente difundido  do que se denomina “música de fundo”  que cria o hábito  do ouvir desatento e casual...   Por que  não reagir a essa dominação  que aliena nossas faculdades interiores e nos torna cada vez menos capazes de nos comunicar com os outros e de viver conosco mesmos. Em nossos tempos vivemos  mais frequentemente fora de nós mesmos do que em nosso interior.   Por que não nos rebelamos  contra essa condição de expectadores-ouvintes, forçados a ouvir conversas nos celulares  que quebram o silêncio e se impõem a todos, em todos os lugares, dos trens aos lugares púbicos, das salas de reuniões à salas de aulas e de conferências, dos refúgios nas montanhas às praias ensolaradas” (Enzo Bianchi).

Quaresma, tempo de partilha.  Tempo de misericórdia e esmola.  Não se trata apenas de dar dinheiro aos miseráveis e um prato de comida aos famintos. Trata-se de deslocar o centro de nós para os outros. Há gestos colocados bem perto de nós: atenção a um colega de trabalho deprimido com ideias de suicídio, um parente de trato difícil que se envolveu numa situação delicada,  zerar a conta da farmácia de um desempregado que mora perto de nós.  Tudo feito discretamente.  Sem que a esquerda saiba o que faz  a direita.

 Quaresma tempo de rever a qualidade de nossa oração.  Tempo de questionamento e de revisão de nossa vida de diálogo com o Altíssimo. Até que ponto somos íntimos do Senhor?  Rezamos com os lábios e também com o coração? Temos gosto de estar com o  Senhor?  Gostamos de praticar a meditação?  Sabemos dar valor à oração comunitária?  Qual a qualidade de nossa oração na  Fraternidade?  Ele é oração de verdade, ou fórmulas, por vezes ditas gritadamente?

 

Um pensamento de Karl Rahner:

O batismo é  morte que nos mergulha na morte de Cristo (Rm 6, 3-4).  Tal morte perdura ao longo de toda a nossa vida: o rito batismal nada mais é do que inauguração, o  sacramento nada mais é do que a imagem e a figura da humilde realidade que nos espera ao longo do tempo da vida e durante o qual germina a glória que deve vir.  Da mesma o sacramental das cinzas, da qual traçada em nossa fronte  é como se fosse um novo ponto de partida anual no caminho que nos faz voltar à nossa poeira  original. É também a imagem e a figurada realidade banal  de nossa vida cotidiana e da glória que ela esconde em si.

 

3. Lembrete

CONSIDERAÇÕES EM TORNO DO CUIDAR

A parábola do Bom Samaritano vive martelando dentro de nós.  O  cuidado nos leva a prestar atenção aos jogados à beira do caminho por onde passamos.   Cuidar  significa  suster a humanidade.  O  cuidado é um compromisso que nos define eticamente.  Cuidado em fazer uma comida, em dirigir um veículo, em proceder a uma cirurgia, em dar a mão  a quem tem dificuldade de andar. Os descuidos, ao menos  algumas vezes, custam  vidas humanas.   Os  cuidados  feitos à coisas do dia a dia  tem holofotes.  Nada tem do heroico.  São coisas do dia a dia. O cuidado  é o  contrário do desinteresse e da indiferença.   Cuidar é mais do que um ato. É uma atitude,  É mais do que um momento de atenção e de desvelo. Representa uma atitude de  ocupação e de preocupação, de responsabilidade e  compromisso efetivo e afetivo  com as outras  e os outros.  Cuidar é oferecer ajuda no sofrimento, qualquer que seja. O cuidado  concreto  para com uma pessoa realiza o mandamento universal de amor ao próximo.  O ser humano que não cuida será um levita ou um sacerdote e tomará distancia das entranhas do Evangelho.   Cuida é garantir a continuidade da vida, velar para que as limitações não anulem os recursos próprios.   Trata-se de não abandonar a pessoa  à solidão, nem ao perigo da situação limite em que se encontra.  Tudo feito  com vigilância não fiscalizadora, mas preocupada.  Quando respondemos ao  mandato “cuida dele ou dela”, somos mediação de Deus. (Publicação do  Centro de Pastoral Litúrgica de Barcelona).

  

4. Francisco de Assis nas fontes e escritos

B) Frei Francisco

Continuamos a acompanhar os passos dados por Francisco apoiados em seus escritos e nas fontes primitivas.  Até agora, em janeiro,  tivemos  Francisco, filho de Pietro  Bernardone.  A partir de agora são dados do Irmão  Francisco, de  Frei Francisco e dos passos primeiros da fraternitas.

Atraídos por seu jeito novo de viver, a Francisco se associaram progressivamente alguns assisienses dando vida ao primeiro núcleo da fraternidade minorítica.  Os hagiógrafos procuraram indicar seus nomes a partir do miles  Bernardo de Quintavalle, chegando ao número de doze  certamente como simbolismo dos doze apóstolos.  Em passagem do  Testamento  Francisco recorda  como no seio desse pequeno grupo foi amadurecendo a decisão de viver conforme o modelo evangélico, a partir da 

  • Tendo como base o relato da Vita I de Tomás de Celano o abandono  da vida de penitente isolado ocorre  por ocasião da leitura da missão dos apóstolos numa missa na Porciúncula  entre 1208 e 1209.
  • Depois da escolha de imitar ao  pé da letra  o modelo da vida apostólica, Francisco e os outros se vestiram com uma túnica de tecido  grosseiro, cingidos de um cordão e dois a dois começaram  a realizar uma forma de pregação itinerante na Itália central convidando as pessoas à penitência e à construção da paz.
  • A pregação feita por leigos não autorizados incorria em sanções eclesiásticas  severas a partir  e do decreto  Ad abolendam diversarum heresum pravitatem  de Lúcio III de 1184 em particular com  relação ao  Pobres de Lyon e aos Humilhados lombardos. Francisco e seus primeiros companheiros resolveram dirigir-se à Sé Apostólica em Roma em 1209 ( ou 1210) para obterem a aprovação ou o reconhecimento da própria forma de vida religiosas. Tratava-se de uma escolha autônoma e  consciente  como  Francisco recorda no    A aprovação canônica  do ordinário diocesano  não dava a autorizava a pregação itinerante.
  • O encontro de Francisco com  Inocêncio III se com a concessão de uma regra bem como uma explícita autorização para a pregação que  só poderia ser concedida quando se tivesse  determinado  a condição jurídica dos  Uma confirmação pontifícia autorizava a pregação penitencial itinerante, sem que  Francisco e os frades  incorressem em sanções. Por intervenção do  Cardeal   João de São Paulo os frades teriam sido tonsurados para assim ingressarem numa condição canonicamente aprovada e assim  poupa-los de qualquer  punição.
  • Poucos são os acontecimentos da vida de Francisco registrados   entre 1209-1210 e 1215-1216. Os relatos das Fontes hagiográficas  referem-se a uma primeira estada em  Rivotorto e à  sucessiva  transferência da fraternidade em crescimento para a capela rural de Santa Maria dos Anjos, dependente da abadia de São Bento  no monte  Subásio.  Alguns episódios relatados se comprazem em relatar a total exemplaridade dos frades  mas sem referências cronológicas e biográficas.  Uma exaltação das virtudes dos frades.  Nesse período, muito provavelmente,  Francisco e seus irmãos andavam percorrendo a região  com sua pregação itinerante de penitência.
  • Compreende-se que a um Francisco tonsurado  pode-se atribuir  o gesto realizado de cortar,  diante do altar, os cabelos de Clara.  Esta era filha de uma família nobre de Assis que tinha se refugiado em Perugia nos momentos turbulentos da cidade.  Pertencia à nobreza dos  Favarone Offreduccio.  Com este  gesto  Francisco admitia  Clara  no estado penitencial  e não criava numa nova ordem religiosa feminina.
  • Segundo testemunhos auferidos no Processo de canonização da santa em 1253,  Francisco  conduziu  Clara ao  Mosteiro de São Paulo das Abadessas não longe de Assis  onde ela entrou, verossimilmente  com trajes de conversa.  Como os parentes tentaram arranca-la à força de lá  foi  transferida para a Igreja de Santo Angelo di Panzo, nas encostas do monte  Subásio que, naquela época, dependia da catedral de Assis.  Para lá acorreu, dezesseis dias depois, Inês, irmã de Clara, causando ulterior reação violenta  na familia das duas.  Tudo levou a que as irmãs fossem para a Capela de São Damião, pertencente à diocese. Outras duas parentas, no outono, se associaram ao grupo]
  • Nesse mesmo ano costuma-se datar uma forma vivendi que Francisco teria escrito para Clara.  Somente uma parte desse bilhete foi inserido no capitulo VI  da regra clariana aprovada em 1253

 

5. O que se diz a respeito de São  Francisco

O HOMEM DO SÉCULO FUTURO

  • Francisco , “o homem do século futuro”.  Assim o chamava seu primeiro biógrafo.  Quanto a nós, homens de um século envelhecido que  conheceu campos de concentração e de morte e que inventou a bomba atômica,  duvidamos se ainda existe  um século futuro. Por vezes  o medo nos gela.  Diz-se que no tempo de Francisco apareceu “um lobo grandíssimo, terrível e feroz, o qual não somente devorava os animais mas também os homens, de modo que todos o citadinos  estavam tomados de grade medo“  (Fioretti  21).  Aprendemos a conhecer melhor este lobo, que é de todos os tempos. Não corre nas florestas, mas mora em cada um de nós, e em cada grupo humano, pronto a dilacerar e a devorar. Quem hoje nos livrará  deste lobo?  Quem for capaz será realmente o homem do século futuro. Avançará sem medo pelos caminhos da história e milhares de irmãos o acompanharão. Atrás dele caminhará, livre e alegre, o grandíssimo lobo domesticado (Éloi Leclerc).
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