Terça, 12 Abril 2022 11:52

Nota JPIC: Aos irmãos e irmãs da Penitência

Rio de Janeiro, 12 de abril de 2022.

Aos irmãos e às minhas irmãs da Penitência...

“Somos esposos, quando a alma fiel está unida a Nosso Senhor Jesus Cristo pelo Espírito Santo. Somos seus irmãos, quando fazemos ‘vontade do Pai, que está nos céus’ (Mt 12,50). Somos mães, quando o trazemos em nosso coração e em nosso corpo (1Cor 6,20) pelo amor divino e por uma consciência pura e sincera; e o damos à luz pelas obras santas que, pelo exemplo, devem ser luz para os outros (Mt 5,16).” (Carta aos Fiéis)

Paz e Bem!

A Regra Franciscana Secular, aprovada em 1978 por São Paulo VI, traz em seu prólogo a primeira recensão da Carta aos Fiéis, na qual Francisco de Assis exorta os irmãos e as irmãs da Penitência. Esta é dividida em dois capítulos: o primeiro fala para aqueles e aquelas que fazem penitência e termina com uma benção do pobrezinho de Assis, e, seguindo caminho inverso, o capítulo dois encerra nele uma maldição aos que não cumprem aquilo que prometeram ao Senhor, e, apesar de terem podido fazer penitência, não a fizeram.

Em 15 de novembro de 2021, por ocasião do Capítulo Internacional da OFS, o Papa Francisco, falando aos capitulares, tocou em um tema central para nossa vocação franciscana secular: o fazer penitência! Talvez com a intenção de nos lembrar daquilo que prometemos viver publicamente diante de nossas fraternidades e comunidades, mas que anda em desuso, pois, durante a caminhada, muitos de nós acabamos assumindo novas formas de viver o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, mais adaptadas às demandas e espiritualidades modernas ou, às vezes, misturamos tudo em único caldeirão e esquecemos que somos irmãos e irmãs da penitência. Outra possibilidade seria que o Papa tenha tentado refrescar nossa memória, relembrando que o fazer penitência enseja iniciativa, compromisso, envolvimento, acompanhamento e frutos (EG 24).

O Papa Francisco, de forma clara e objetivo, diz assim: “Caros irmãos e irmãs, é isto que vos exorto a realizar na vossa vida e na vossa missão. E, por favor, não confundamos “fazer penitência” com “obras de penitência”. Estas — jejum, esmola e mortificação — são consequências da decisão de abrir o coração a Deus. Abrir o coração a Deus! Abrir o coração a Cristo, vivendo no meio de pessoas comuns, segundo o estilo de São Francisco. Assim como Francisco foi ‘espelho de Cristo’, que também vós possais tornar-vos ‘espelhos de Cristo’.”

Francisco de Roma relembra ainda aos que nunca deveriam ter esquecido, por força de sua profissão, que: “Sois homens e mulheres comprometidos a viver no mundo, de acordo com o carisma franciscano. Um carisma que consiste essencialmente em observar o santo Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. A vocação do Franciscano secular é viver o Evangelho no mundo, segundo o estilo do Pobrezinho, sine glossa; assumir o Evangelho como ‘forma e regra’ de vida. Exorto-vos a abraçar o Evangelho como se abraçásseis Jesus. Que o Evangelho, isto é o próprio Jesus, plasme a vossa vida. Assim, assumireis a pobreza, a menoridade e a simplicidade como vossos sinais distintivos perante todos”.

E, parafraseando Francisco de Assis, o Papa utiliza o termo “sine glossa” (cf Test. 35), que quer dizer sem comentários, sem interpretações que adaptem a nossa caminhada a outras necessidades, e, buscando facilitar nossa compreensão, o Papa utiliza de caros exemplos para nossa secularidade: “Com esta vossa identidade franciscana e secular, fazeis parte da Igreja em saída. O vosso lugar preferido é estar no meio do povo, e ali, como leigos — celibatários ou casados — sacerdotes e bispos, cada qual segundo a própria vocação específica, dar testemunho de Jesus mediante uma vida simples, sem pretensões, sempre felizes de seguir Cristo pobre e crucificado, como fizeram São Francisco e muitos homens e mulheres da vossa Ordem. Encorajo também vós a ir às periferias, às periferias existenciais de hoje, e ali fazer ressoar a palavra do Evangelho. Não vos esqueçais dos pobres, que são a carne de Cristo: a eles sois chamados a anunciar a Boa Nova (cf. Lc 4, 18) como fez, entre outros, Santa Isabel da Hungria, vossa Padroeira. E assim como no passado as ‘fraternidades de penitentes’ se distinguiam fundando hospitais, dispensários, refeitórios para os pobres e outras obras de caridade social concreta, também hoje o Espírito vos envia a exercer a mesma caridade com a criatividade exigida pelas novas formas de pobreza”.

Não posso me furtar, nesse momento, de voltar às nossas origens, como fez o Papa Francisco. Lendo sobre os que não fazem penitência, na Carta aos Fiéis, na qual o Seráfico Pai é taxativo, afirmando que aqueles e aquelas que veem e conhecem, sabem e fazem o mal de forma deliberada perdem suas almas, vemos que ele afirma que estes servem ao “mundo”. E sempre que a palavra “mundo” é aplicada, simplificamos o tema ardilosamente caminhando para questões de moral sexual, mas esquecemos de que Francisco fala dos apelos do mundo. E hoje, em nosso mundo, os apelos que são oferecidos e facilmente digeridos por nossas fraternidades, comunidades, famílias e grupos são o egoísmo, a individualidade, a exploração, o consumo acima de tudo, a indiferença acima de todos, mas nos esquecemos dos apelos do Evangelho, principalmente com quem sofre ao nosso lado de fome, frio, medo e solidão.

O mundo, desde que é mundo ou o conhecemos como mundo, traz nos seus apelos as mesmas ideologias (termo muito utilizado hoje para justificar agressividades com quem se preocupa com os caídos a beira do caminho), e não por acaso que no primeiro Concílio de que temos história, no encontro entre Tiago, Pedro e João com Paulo em Jerusalém, a recomendação era para que lembrassem sempre dos pobres (Gl 2,10). Pobres de todas as formas de pobreza, de desatenção, de exclusão, de descartabilidade que hoje transforma-se com extrema facilidade em discursos meritocráticos e higienistas em nossas fileiras, os quais digerimos sem sequer ficarmos tristes como ficou o jovem rico (Lc 10,18-27).

Queridos irmãos e irmãs, o mandamento do amor exige um incessante desejo de ir ao encontro do excluído, daquele que a ideologia vigente em nosso mundo destratou, para se fazer próximo. Cada tempo tem seus excluídos, e cada período cria novas formas de pobreza e restrição no acesso aos bens comuns.

Apesar de perceber tanta pobreza ao nosso redor, ainda há a necessidade de querer encontrá-los. E é neste encontro que somos impelidos pela Boa Nova de Jesus Cristo e por nossa vocação de penitente a assumir um compromisso com o Reino de Deus. Uma vez que quando encontramos com o próximo é que o nosso amor é colocado à prova. É no encontro com os pobres que descobrimos como não há direito e tampouco justiça para excluídos e marginalizados. Somos forçados pela Boa Nova a assumir postura crítica diante de tanta indiferença para com os pobres, os quais comumente são também percebidos nos ambientes eclesiais. Os pobres surgem à porta clamando por seus diretos, e percebe-se claramente que todas estas situações também se devem à indiferença de cristãos e cristãs, que se silenciam diante das injustiças para manter seus privilégios.

 O amor é concretizado quando saímos de nossas comodidades e seguranças e vamos ao encontro dos pobres, excluídos e marginalizados. Quando nos aproximamos sem medo de nos enlamearmos, de nos ferirmos ou de perdermos nossos pequenos benefícios e comodidades. Esta opção pelos pobres é ingrediente de nossa fé cristã e “deriva da nossa fé em Jesus Cristo” (EG 186), “deriva da própria obra libertadora da graça em cada um de nós” (EG 188).

Todo franciscano e franciscana e toda fraternidade deve buscar conviver não somente com aqueles e aquelas que podem nos retribuir de alguma forma, mas sim com aqueles que estão caídos à beira do caminho (Lc 10,30): os pobres, doentes, idosos, abandonados, esquecidos e descartados por sua forma de vida, por seu gênero ou ainda por sua orientação sexual (EG 48). Somos “chamados em todo lugar e circunstância, a ouvir o clamor dos pobres” (EG 191). Pobre é todo aquele ou aquela que é excluído econômica, social, política e culturalmente, privado de sua liberdade e da possibilidade de escolha. É necessário estar próximo não somente através de ações ou programas assistenciais, mas promovendo oportunidades e, em especial, amando. “Quando amado, o pobre ‘é estimado como de alto valor’, e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serviço de interesses pessoais ou políticos” (EG 199).

É mais que urgente que nossas fraternidades saiam das estruturas de concreto e caminhem ao encontro do próximo, superem diferenças internas e externas e construam pontes com outras comunidades cristãs, outras religiões e organizações do terceiro setor que trabalham por justiça e direito. Nós, franciscanos e franciscanas seculares, precisamos assumir de forma madura as realidades vividas e construirmos, “sine glosa”, o Reino de Deus.

Quase ao final de sua fala aos Franciscanos Seculares, o Papa nos exorta, com todo o zelo de um pastor com cheiro de ovelha, a sermos próximos e transformadores de nosso mundo: “Que a vossa secularidade seja repleta de proximidade, compaixão e ternura. E que possais ser homens e mulheres de esperança, comprometidos em vivê-la e também em ‘organizá-la’, traduzindo-a nas situações concretas de cada dia, nos relacionamentos humanos, no compromisso social e político, alimentando a esperança no amanhã, aliviando a dor de hoje”.

Irmãos e irmãs, é necessário converter-se sempre. Buscar em nossas origens aquela sabedoria que fez do carisma franciscano um diferencial em todos os tempos. Não podemos nos perder com posturas tão distantes de nossa vocação, mas tão em moda nas ideologias mundanas modernas da indiferença, do distanciamento, da descartabilidade, da violência, do consumo e tantas outras. Irmãos e irmãs, vamos dar um passo à frente, pois cada vez que recuamos um passo, o “mundo” avança dois.

E encerramos com a exortação e com benção do Papa Francisco aos capitulares: “Assim começamos com o caminho da conversão, e depois todas estas propostas de fecundidade, que vêm do coração unido ao Senhor e amante da pobreza. São Francisco e todos os Santos e Santas da família franciscana vos acompanhem no vosso caminho. O Senhor vos abençoe e Nossa Senhora, ‘Virgem que se fez Igreja’, vos ampare! E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim. Obrigado! Paz e Bem”.

Fraternalmente,

Em nome do Conselho Nacional da OFS,

Hélio Gouvêa

Coordenador Nacional de JPIC (Justiça, Paz e Integridade da Criação)

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