Uma Quaresma pela Paz!
A Quaresma 2022 traz consigo um desafio para cada fiel católico, para cada pessoa de boa vontade: o combate espiritual com as armas do Espírito: oração, jejum e esmola; neste ano, unidos espiritualmente com o povo que sofre a tragédia da guerra.
Vatican News
Iniciamos a Quaresma 2022 com a Quarta-feira de Cinzas e, neste dia, a Igreja nos chama, como todos os anos, a vivermos um dia penitencial de jejum e abstinência de carne. Neste ano 2022, o Santo Padre Francisco acrescentou a este dia anual de jejum e abstinência uma intenção: nossos sacrifícios desta Quarta-feira de Cinzas sejam na intenção pela Paz diante de tantos conflitos armados, e, mais precisamente, pelo fim do combate bélico da Rússia na Ucrânia. Eis o apelo do Santo Padre:
“E agora gostaria de apelar a todos, crentes e não-crentes. Jesus ensinou-nos que à diabólica insensatez da violência se responde com as armas de Deus, com a oração e o jejum. Convido todos a fazer no próximo dia 2 de março, quarta-feira de Cinzas, um Dia de jejum pela paz. Encorajo de modo especial os crentes a fim de que naquele dia se dediquem intensamente à oração e ao jejum. Que a Rainha da paz preserve o mundo da loucura da guerra” (Audiência, 23/2/2022).
O Papa Pio XII, em discurso de 13/6/1943, recordava: “Não é na revolução que reside a salvação e a justiça, mas sim na evolução bem orientada. A violência só e sempre destrói, nada constrói; só excita paixões, nunca as aplaca; só acumula ódio e ruínas e não a fraternidade e a reconciliação. A revolução sempre precipitou homens e partidos na dura necessidade de terem que reconstruir lentamente, após dolorosos transes, por sobre os escombros da discórdia”.
A oração coleta da Missa desta Quarta-feira de Cinzas pede a Deus que conceda ao povo cristão, especialmente os fiéis católicos, iniciar o caminho quaresmal com um dia de jejum para que possa enfrentar com força “o combate contra o espírito do mal”. Claramente, o espírito do mal leva o coração do homem à tantas guerras, especialmente quando se quer que nossas vontades desordenadas imperem sobre a vida dos demais e nos conduzam por caminhos de morte, pessoal e comunitária.
Nesse combate espiritual que o nosso século trava, há tantas guerras fratricidas para as quais os homens são levados por tantas ideologias tanto políticas como outras que atentam contra a natureza humana. O jejum anual da Quarta-feira de Cinzas, somado àquele da Sexta-feira da Paixão, não são senão um convite a depormos as armas da nossa resistência interior à ação e ordem dada por de Deus, pois onde vencem nossos instintos vence junto o inimigo de Deus. Porém, quando o ser humano combate o bom combate da fé, com a poderosa arma do jejum dizendo não à saciedade dos seus prazeres e instintos, vence o Amor de Deus.
O profeta Joel faz um apelo ao seu povo em nome de Deus: “Agora, diz o Senhor, voltai para mim com todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos”. Numa sociedade em que impera a lei da consciência individual há muitas mentes adormecidas e relaxadas, que não confiam e nem mais praticam os exercícios espirituais da Quaresma, pois cada um arroga-se dono de si, sem se dar conta do mal que aflige os demais. O jejum, em verdade é arma espiritual para aplacar as paixões desordenadas e levar cada fiel à comunhão com os seus irmãos.
A Quaresma 2022 traz consigo um desafio para cada fiel católico, para cada pessoa de boa vontade: o combate espiritual com as armas do Espírito: oração, jejum e esmola; neste ano, unidos espiritualmente com o povo que sofre a tragédia da guerra. Nossa Quaresma seja uma oferta a Deus de nossas penitências para o bem de outros e não para uma autossatisfação, como dizia Bento XVI: “há necessidade de propor e promover uma pedagogia da paz. Esta requer uma vida interior rica, referências morais claras e válidas, atitudes e estilos de vida adequados (...). É um trabalho lento, porque supõe uma evolução espiritual, uma educação para os valores mais altos, uma visão nova da história humana. É preciso renunciar à paz falsa, que prometem os ídolos deste mundo, e aos perigos que a acompanham; refiro-me à paz que torna as consciências cada vez mais insensíveis, que leva a fechar-se em si mesmo, a uma existência atrofiada vivida na indiferença. Ao contrário, a pedagogia da paz implica serviço, compaixão, solidariedade, coragem e perseverança” (Mensagem, 1/1/2013).
Vivamos bem nossa Quaresma pela Paz!
Roma, 02 de março de 2022
Pe. Rafhael Silva Maciel
Missionário da Misericórdia
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt/igreja/news/2022-03/uma-quaresma-pela-paz-padre-raphael-maciel.html
O sentido das Cinzas que recebemos no início da Quaresma
Padre Paulo de Souza OSB
Bem-vindos, irmãos e irmãs. Bem-vindos à Quaresma. Bem vindos a este tempo de graça, de bênção e da Salvação de Deus. Nosso Pai Celeste está com muita saudade de nós. Ele sente falta de seus filhos amados, assim como todo pai e toda mãe anseiam pela volta dos filhos que estavam distantes. Ouçamos o convite que o próprio Deus nos faz, através do Profeta Joel: “voltai para mim com todo o vosso coração”.
A volta é uma ocasião de alegria, de júbilo e de festa. Mas o profeta acrescenta que devemos voltar a Deus com jejuns, lágrimas e gemidos. Por quê? Ora, porque estamos distantes d'Ele pelo nosso pecado, pela maldade que cometemos, pelo nosso mundo de erros e de iniquidades. Praticamos o mal, cometemos tantas injustiças, ofendemos a Ele e aos irmãos e irmãs que nos rodeiam.
Nossa volta é o abandono sincero e penitente do desamor ao nosso Pai Celeste, fonte de todo amor e bondade. É a reconciliação para a qual somos chamados, a fim de reatar o pacto de amor e fidelidade com Aquele que nos fez por amor, e de quem nos afastamos pela ímpia desobediência. “Ele é benigno e compassivo”, diz o profeta. “É paciente e cheio de misericórdia. É generoso no perdão e na bondade, apesar de nossa indignidade”.
Com certeza seremos bem recebidos, com aquele abraço amoroso e paterno, como nos anunciou seu próprio Filho Jesus, na monumental Parábola do Pai Misericordioso e do Filho Pródigo de Lc 15. Nosso jejum, nossas lágrimas e gemidos são aquela dor, aquele arrependimento e a humildade do filho que voltou. E como esse filho, vamos ao Pai com o coração totalmente despojado das glórias e conquistas deste mundo. Com a cabeça inclinada, diremos a Ele que não somos dignos de ser seus filhos, e merecemos realmente a condição de empregados.
Convertei-vos e crede no Evangelho
Queridos amigos, irmãos e irmãs, este é o sentido das Cinzas que vamos receber. Ao impor essa cinza sobre nós, o sacerdote, ou ministro, dirá: “convertei-vos e crede no Evangelho”. Esta é a frase de Jesus, que sintetiza o desejo do Pai Celeste de que voltemos a Ele.
É uma mensagem de alegria e libertação, o abandono radical de tudo o que é mundano, da hipocrisia e do farisaísmo, da falta de autenticidade que nos faz viver de aparências enganosas, do egoísmo, da luxúria, da soberba e especialmente da falta do amor e da fé. Nossa volta a Deus é o desejo de uma vida totalmente renovada, porque estávamos no lodaçal do pecado e da imundície, como mais uma vez está bem expresso na parábola do Filho Pródigo: estávamos cuidando de porcos e passando fome.
Os animais comiam melhor do que nós. Por isso, ao voltarmos à casa do Pai, nosso impulso fundamental é a penitência, a humildade, o pedido de perdão e o reconhecimento da nossa indignidade. Aliás, ao recebermos as cinzas, a frase alternativa do ministro é: “lembra-te de que és pó, e ao pó voltarás”. É uma mensagem triste e dolorosa, como se não tivéssemos direito a mais nada, a não ser ao castigo, à dor, ao sofrimento e à morte!
Mas é aqui que precisamos voltar ao sentido da festa e da alegria do Pai que nos recebe. Por um lado, voltaremos a ser o pó da terra. Com certeza! Por isso deixamos que se derramem cinzas sobre nós. Por outro lado, a cinza desta Quarta-feira é a cinza da ressurreição.
É necessário que morra e volte ao pó o corpo contaminado pela lepra do pecado, para que, como nos ensina o apóstolo Paulo em 1 Cor 15, o Pai Celeste nos dê um novo corpo, que não mais será sujeito à corrupção deste mundo; será um corpo imortal, totalmente renovado, lavado e purificado no sangue glorioso de Nosso Senhor Jesus. É o sentido profundo deste tempo de Quaresma, que irá desembocar na gloriosa Páscoa.
Redimidos pelo sangue de Jesus
O castigo, a dor, o sofrimento e a morte serão assumidos totalmente por Jesus, que carregará a Cruz que seria destinada a cada um de nós, pecadores. E por este sangue precioso, que mais do que sangue humano é sangue de Deus, o nosso Pai bondoso e Misericordioso nos vestirá com a melhor roupa de sua casa, fará a festa e nos devolverá a dignidade de filhos.
Aqui está o feliz desfecho da parábola do Filho Pródigo: na cinza que éramos, quando estávamos longe da casa do Pai pelo pecado, será derramado o sangue do nosso Redentor. E este Cristo que sofre a morte por nós, vencerá a morte pela ressurreição; e pelo desmedido amor que Deus tem para conosco, desta Ressurreição todos participaremos felizes no Reino dos Céus.
Assim, a Páscoa de Cristo não será somente sua, mas de todos os que Ele faz voltar para Deus. Com Jesus, todos seremos filhos pródigos.
Iniciemos, portanto, nossa preparação para a Páscoa de Jesus, deixando-nos reconciliar com Deus, como pede São Paulo. Este é o tempo favorável. Este é o dia da Salvação. Como o Filho Pródigo, voltemos ao Pai na humildade, na contrição do coração, na força do amor e da fé.
É o que Jesus nos pede no Evangelho. Joguemos fora e libertemo-nos das falsas aparências, da vaidade, da arrogância, da soberba e de todos os males. Esqueçamos as recompensas e os louvores do mundo, que se transformam na podridão e na condição daquele pobre filho, que estava cuidando de porcos; e de tanta fome que tinha, desejava comer a comida dos porcos.
E quantas vezes nós alimentamos nossa mente e o coração com o lixo, com o vitupério da iniquidade e - desculpem a vulgaridade da expressão -, com as porcarias deste mundo! Ao voltarmos à casa do Pai pelo jejum, pela esmola, pela humildade, pela caridade, pela oração, teremos a verdadeira recompensa, que nos proporcionará a verdadeira alegria do Reino dos Céus, que durará para sempre.
Tenhamos todos uma santa preparação para a Páscoa de Jesus, que é também a nossa Páscoa. Louvado seja Ele, Nosso Senhor Jesus Cristo.