Sábado, 14 Novembro 2020 13:56

OFS e o Espelho da Perfeição: reflexão sobre o capítulo XI

Capítulo XI

Como os frades, sobretudo os prelados e os dou­tos, se opuseram a ele na construção de lugares e edifícios pobrezinhos.

 

1 Como o bem-aventurado Francisco havia estabelecido que as igrejas dos frades fossem pequenas e suas casas feitas só de madei­ra e barro, como sinal da santa pobreza e da humildade, 2 quis começar a reformar no lugar de Santa Ma­ria da Porciúncula, particularmente com as casas construí das de madeira e barro, a fim de que o lugar fosse um eterno modelo para todos os frades presentes e futuros, pois era o primeiro e princi­pal lugar de toda a Ordem.

3 Alguns frades opuseram-se a ele nisso, dizendo que em algumas regiões a madeira é mais cara do que as pedras, de modo que não lhes parecia bom que as casas fossem feitas de madeira e barro. 4 Mas o bem aventurado Francisco não queria discutir com eles, principalmente porque estava perto da morte e gravemente enfermo. 5 Por isso mandou escrever em seu testamento: “Evitem os frades aceitar igre­jas, modestas habitações e tudo o que for construído para eles, se não estiverem conformes com a santa pobreza, e morem nelas sempre como forasteiros e peregrinos”.
6 De fato, nós que com ele estivemos (cf. 2Pd 1,18) quando es­creveu a ,Regra e compôs quase todos os seus outros escritos, damos testemunho (cf. Jo 21,24; 3Jo 12) de que mandou escrever muitas outras coisas, na Regra e nos outros escritos seus, em que muitos frades se opuseram, sobretudo nossos prelados e doutos, 7 e que hoje seriam muito úteis e necessárias a toda a Ordem. Mas, como ele temia muito o escândalo, condescendia com as vontades dos frades contra a sua vontade. 8 Entretanto, dizia isto muitas vezes: “Ai dos frades que se opõem a mim naquilo que sei firmemente ser a vontade de Deus para a maior utilidade e necessidade de toda a religião, mesmo que, contra a vontade, eu me submeta à vontade deles!”

9 Por isso, também dizia com freqüência a nós, seus companheiros: “Nisto consiste minha dor e minha aflição: que nas coisas que com muita trabalho de oração e meditação obtenho de Deus, por sua misericórdia e para a utilidade presente e futura de toda a Ordem, 10 e que ele me assegura estar de acordo com a sua vontade, alguns frades, em nome de sua ciência e de sua falsa providência, se opõem a mim e as suprimem dizendo: Isto tem que ser mantido e observado; aquilo não’’.

 

Reflexão:

No texto, mais uma vez, o autor acentua a posição do fundador sobre a necessidade de se construir habitações e igrejas simples. Como os primeiros frades moravam em barracas de madeira ele afirma que era desejo de Francisco que todos construíssem moradias assim. Não é esse o nosso caso, mas precisamos ser pobres.

As propostas do Pobre de Assis, de acordo com o texto, que parece ter sido escrito por um dos irmãos que estavam alinhados com os Espirituais, continuam a gerar intranquilidade entre os frades da Ordem. Creio que criaria entre nós também. Interessante que nas duas recensões da Carta aos Fiéis e nas duas primeiras Regras da Igreja aos Penitentes, a Memoriale Propositi (1221) e a Supra Montem (1289), este assunto não foi abordado. Talvez não houvesse uma preocupação quanto a moradia daqueles que eram da Ordem Terceira, uma vez que muitos dos terceiros eram nobres e burgueses.

Porém, na Regra e Vida de Paulo VI, a que hoje estamos a utilizar, temos o item 11 que trata da pobreza. Em um texto publicado pelo Nacional da OFS, que faz parte do Estudo da Regra, temos a seguinte afirmação: 

"Nós como franciscanos seculares, fazemos à profissão de viver no estado secular, seguindo o Evangelho de Jesus Cristo, a maneira de Francisco de Assis. (...) somos chamados a viver o espírito de pobreza, uma das principais características do carisma Francisclariano.

A espiritualidade franciscana é fundada pela simplicidade da santa pobreza ao ter como base crucial a vida de Jesus Cristo, que escolheu ser pobre e humilde." 

Também não trata de como devem ser nossas moradias. O que realmente não deve ser importante. O que importa é como usamos e pensamos nos nossos bens. Porém, já tratamos disso antes.

O autor do Espelho da Perfeição, justifica o porquê de não constar o material com o qual deveriam ser construídas as moradias no Testamento. Ele deixa claro que para Francisco a pacificação da fraternidade deve ser o objetivo maior. As propostas devem estar balizadas pelo ideal, mas sem trazer inquietação.

Talvez aqui uma reflexão interessante. Será necessário para nós individualmente e como fraternidade construir imóveis com metais dourados, os pisos mais caros e os móveis mais caros?

E temos também, mais uma vez, o discurso que reafirma o conflito entre os frades que eram intelectuais e os que não eram. Devemos ser uma távola-redonda. Esse é o grande segredo da fraternidade. Creio que a demonstração de que o fundador busca conciliar as ideias, seja uma boa dica para aqueles que são votados para servir às fraternidades. Ouvir a todos e entender que devemos construir a caminhada juntos é algo muito inspirador.

Nossa pobreza deve ser interior, mas também exteriorizada. Devemos resplandecer a dádiva de ser alguém entregue a misericórdia. Devemos ser aqueles que acreditam que nosso caminhar é dirigido e gerido pelo Senhor através dos sinais que estão em todas as suas criaturas.

Se é a conquista de um bem ou de uma posição, o ter ou o poder, que me fazem caminhar pela vida, não sou franciscano secular. Temos que estar dispostos a encarar tudo como uma moradia simples. Não preciso estar armado, nem ter seguranças para defendê-la. Não deve ser algo que me torna superior aos outros.

Estas reflexões sobre a questão da posse nos possibilitam a meditar sobre que franciscanos seculares somos. Às vezes, a vida me possibilita ter um trabalho bom, que vai me proporcionar construir um grande patrimônio. Mas, para que ter um carro de meio milhão? Que mensagem vou passar para aqueles que me veem como franciscano? Estamos refletindo sobre isso nestes textos iniciais do Espelho. Existia, entre os frades, um grupo que criticava certas posturas e que queria um retorno às origens.

 

Para meditar:

Será que em nossas fraternidades haveria este tipo de debate sugerido no texto?

Se a resposta for positiva, quais seriam os motivos que levariam os irmãos a este debate?

 

 Texto de Jefferson Eduardo dos Santos Machado – Coordenador de Formação da Fraternidade Nossa Senhora Aparecida – Nilópolis (RJ)

 

 

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