No calendário litúrgico franciscano, o dia 2 de agosto é dedicado à celebração da Festa de Nossa Senhora dos Anjos, popularmente conhecida como “Porciúncula”. Na introdução do texto litúrgico do missal e da liturgia das horas, se diz o seguinte:
“O Seráfico Pai Francisco, por singular devoção à Santíssima Virgem, consagrou especial afeição à capela de Nossa Senhora dos Anjos ou da Porciúncula. Aí deu início à Ordem dos Frades Menores e preparou a fundação das Clarissas; e aí completou felizmente o curso de seus dias sobre a terra. Foi aí também que o Santo Pai alcançou a célebre Indulgência , que os Sumos Pontífices confirmaram e estenderam a outras muitas igrejas. Para celebrar tantos e tão grandes favores ali recebidos de Deus, instituiu-se também esta Festa Litúrgica, como aniversário da consagração da pequenina ermida”.
A propósito da Porciúncula, o Santo Padre se expressou recentemente nos seguintes termos: “O caminho espiritual de São Francisco teve início em São Damião, mas o verdadeiro lugar amado, o coração pulsante da Ordem, onde a fundou e onde, por fim, entregou sua vida a Deus, foi a Porciúncula, a ‘pequena porção’, o cantinho junto à Mãe da Igreja; junto a Maria que, por sua fé tão firme e por seu viver tão inteiramente do amor e no amor com o Senhor, todas as gerações a chamarão bem-aventurada.”
Por Frei Régis Daher, OFM
O testemunho das Fontes Franciscanas
Diversos textos, das assim chamadas “Fontes Franciscanas”, falam do sentido e do valor que este lugar passou a ter na vida de São Francisco, e posteriormente considerado “cabeça e mãe dos Frades Menores”.
Legenda Perusina, cap. 8
“Vendo o bem-aventurado Francisco que o Senhor queria aumentar o número de seus frades, disse-lhes um dia: ‘Caríssimos irmãos e meus filhinhos, vejo que o Senhor quer fazer crescer a nossa família. Parece-me que seria prudente e próprio de religiosos irmos pedir ao Senhor Bispo ou aos cônegos de S. Rufino ou ao abade do mosteiro de São Bento uma igreja pequena e pobre onde os frades posssam recitar as horas e, ao lado, uma casa pequena e pobre, de barro e de vimes, onde os frades possam descansar e fazer o que lhes for necessário.O lugar que agora habitamos já não é conveniente e a casa é exígua demais para nos abrigar, visto que aprouve ao Senhor multiplicar-nos. Foi então apresentar ao bispo o seu pedido, que lhe respondeu assim: “Irmão, não tenho igreja para vos dar”. Dirigiu-se em seguida aos cônegos de S. Rufino. Estes deram-lhe a mesma resposta. Foi dali ao mosteiro de São Bento do Monte Subásio. Falou ao abade como fizera ao bispo e aos cônegos, relatando-lhe a resposta que deles obtivera. O abade compadecido, depois de se aconselhar com os seus monges, resolveu com eles, como foi da vontade de Deus, entregar ao bem-aventurado Francisco e seus frades a igreja de Santa Maria da Porciúncula, a mais pobre que eles possuiam. Para o bem-aventurado Francisco era tudo quanto de há muito desejava. …
Não cabia em si de contente, com o benefício recebido: porque a igreja era dedicada à Mãe de Cristo; porque era muito pobre; e também pelo nome que era conhecida. Era com efeito chamada de Porciúncula, presságio seguro de que viria a ser cabeça e mãe dos pobres frades menores. O nome de Porciúncula tinha sido dado a esta igreja por ter sido construída numa porção acanhada de terreno que de há muito assim era chamada”
T.Celano, Vida I, cap. 9,21
“Depois que o santo de Deus trocou de hábito e acabou de reparar a Igreja de São Damião, mudou-se para outro lugar próximo da cidade de Assis, … chamado Porciúncula, onde havia uma antiga igreja de Nossa Senhora Mãe de Deus, mas estava abandonada e nesse tempo não era cuidada por ninguém. Quando o santo de Deus a viu tão arruinada, entristeceu-se porque tinha grande devoção para com a Mãe de toda bondade, e passou a morar ali habitualmente. No tempo em que a reformou, estava no terceiro ano de sua conversão”
Espelho da Perfeição, cap. 83
“Embora o Seráfico Pai soubesse que o reino dos céus é estabelecido em todos os lugares da terra… sabia, no entanto, por experiência, que Santa Maria dos Anjos havia sido contemplada com bençãos especiais… Por isso recomendava sempre os frades: ‘Meus filhos, tende cuidado de jamais abandonar este lugar. Se vos expulsarem por uma porta, entrai pela outra. Este lugar é sagrado, morada de Cristo e da Virgem Maria, sua bendita Mãe. Aqui, quando éramos apenas um pequeno número, o bom Deus nos multiplicou. Aqui ele iluminou a alma destes pequeninos com a luz de sua sabedoria, abrasou a nossa alma com o fogo de seu amor”
Espelho da Perfeição, cap. 84
“Neste tempo nasceu a Ordem dos Frades Menores, multidão de homens que, então, começou a seguir o exemplo do Seráfico Pai. Clara, esposa de Cristo, recebeu nesta igreja a tonsura, despojando-se das pompas do mundo para seguir a Cristo. Aqui, para Cristo, a Santa Virgem Maria gerou os frades e as Pobres Damas, e, por meio deles, deu Cristo ao mundo. Aqui, estrada larga do mundo antigo tornou-se estreita e a coragem dos que foram chamados tornou-se maior. Aqui foi composta a Regra, a santa pobreza foi reabilitada, a vaidade humilhada e a cruz alçada às alturas. Se algumas vezes o Seráfico Pai sentiu-se conturbado e aflito, neste lugar reanimou-se, o seu espírito recuperou a paz interior. Aqui desaparece toda a dúvida. Por fim, aqui se concede aos homens tudo que o pai pediu por eles”.
Como São Francisco pediu e obteve a indulgência do perdão
Segundo o testemunho de Bartolomeu de Pisa, a origem da Indulgência da Porciúncula se deu assim:
Uma noite, do ano do Senhor de 1216, Francisco estava compenetrado na oração e na contemplação na igrejinha da Porciúncula, perto de Assis, quando, repentinamente, a igrejinha ficou repleta de uma vivíssima luz e Francisco viu sobre o altar o Cristo e à sua direita a sua Mãe Santíssima, circundados de uma multidão de anjos. Francisco, em silêncio e com a face por terra, adorou a seu Senhor.
Perguntaram-lhe, então, o que ele desejava para a salvação das almas. A resposta de Francisco foi imediata: “Santíssimo Pai, mesmo que eu seja um mísero pecador, te peço, que, a todos quantos arrependidos e confessados, virão a visitar esta igreja, lhes conceda amplo e generoso perdão, com uma completa remissão de todas as culpas”.
O Senhor lhe disse: “Ó Irmão Francisco, aquilo que pedes é grande, de coisas maiores és digno e coisas maiores tereis: acolho portanto o teu pedido, mas com a condição de que tu peças esta indulgência, da parte minha, ao meu Vigário na terra (Papa)”.
E imediatamente, Francisco se apresentou ao Pontífice Honório III que, naqueles dias encontrava-se em Perusia e com candura lhe narrou a visão que teve. O Papa o escutou com atenção e, depois de alguns esclarecimentos, deu a sua aprovação e disse: “Por quanto anos queres esta indulgência”? Francisco, destacadamente respondeu-lhe: “Pai santo, não peço por anos, mas por almas”.
E feliz, se dirigiu à porta, mas o Pontífice o reconvocou: “Como, não queres nenhum documento”? E Francisco respondeu-lhe: “Santo Pai, de Deus, Ele cuidará de manifestar a obra sua; eu não tenho necessidade de algum documento. Esta carta deve ser a Santíssima Virgem Maria, Cristo o Escrivão e os Anjos as testemunhas”.
E poucos dias mais tarde, junto aos Bispos da Úmbria, ao povo reunido na Porciúncula, Francisco anunciou a indulgência plenária e disse entre lágrimas:”Irmãos meus, quero mandar-vos todos ao paraíso!”
As condições para se receber a indulgência plenária
No dia 2 de agosto de cada ano (das 12 horas do dia 1º de agosto até as 24 horas do dia 2), pode se adquirir a Indulgência Plenária, com as seguintes condições:
- Visitando uma igreja paroquial, onde se reza o Credo, para afirmar a própria identidade cristã; e o Pai Nosso, para afirmar a própria dignidade de filhos de Deus recebida no Batismo;
- Confissão sacramental para estar em graça de Deus (oito dias antes ou depois);
- Participar da Eucaristia;
- Uma oração nas intenções do Papa.
A indulgência só pode ser lucrada uma vez.
Porciúncula: berço da fraternidade
Lugar fontal para a nossa mística. Santa Maria dos Anjos: berço da fraternidade! Aqui começou a vida e o amor mútuo. Um santuário mariano-franciscano, lugar – santo, dos mais freqüentado em todo o mundo. É um espaço para rezar, refletir, purificar, encher-se de graça e iniciar novamente o caminho.
Se Assis é a “capital do espírito”, Porciúncula é um lugar necessário a toda humana criatura de nosso tempo: uma etapa, uma luz sobre o caminho. Ali emana um único fascínio: a mensagem pulsante do Evangelho, alegria, serenidade, simplicidade, fidelidade, pobreza…Foi edificada no século X, no ano de 1045. Pertencia aos monges beneditinos do monte Subásio que ali alimentavam uma “pequena porção” de santuário. O que é o santuário? É um lugar sagrado onde a presença de Deus se manifesta. O mistério presente da divindade é que determina o lugar do culto.
Santuário é lugar e não museu arqueológico a mostrar e conservar memórias e glórias mumificadas do passado. Ali os acontecimentos passados são vivos e presentes: ali viveu Francisco, ali passou Clara, ali morreu o Poverello. Francisco e Clara continuam a ser mais vivos que nunca e a sua escolha de Amor é que marca definitivamente o lugar. Ali a Fraternidade se faz encontro,cresce,contagia e se comunica. (Cfr 1 Cel 106)
Em 1210 Francisco pede ao bispo de Assis e depois aos Cônegos de São Rufino alguma igrejinha para cuidar. A resposta é negativa. Vai então ao abade do mosteiro de São Bento, Dom Teobaldo. Este, com o consenso da comunidade monacal, concede a Francisco e a seu primeiros companheiros a Porciúncula para o simples uso e moradia. Só pedem uma condição: se a religião constituída por Francisco crescer, a Porciúncula seja a casa-mãe.
Dom recebido Dom dividido. A casa fundada sobre o sólido alicerce da Pobreza ganha um sinal: por graça e gratidão ao bem feito pelos beneditinos, há o gesto da retribuição: cada ano os frades mandavam aos monges um cesto cheio de peixes. Os monges agradeciam com um vaso cheio de óleo. LTC 56; LP 8.
Porciúncula:
• experiência primitiva de Fraternidade
• lugar reconstituído com o trabalho manual
• próximo aos bosques
• próximo aos leprosários
• pequenas celas para a moradia
• primeiro encontro com o Evangelho (Mt 10,5-15)
• ali o encontro do rumo definitivo na vida (1 Cel 21;LM 2,8;Lm 1,9;1 Cel 44)
• os primeiros companheiros Bernardo e Pedro vêm morar ali
• Bernardo, Pedro, Egídio e Francisco partem dali para a primeira missão
• a fraternidade cresce e encontra seu espaço
• é o santuário da missão ( 1 Cel 22;LM 3,1: LTC 25: Lm3,7;Fior13)
• No dia 19 de março de 1211/1112, chega a Porciúncula, a nobre jovem Clara de Faverone.
• Em julho de 1216, Francisco consegue do Papa Honório III a Indulgência ou o Perdão da Porciúncula.
• É um lugar muito elogiado. (1 Cel 106; LP 8-12:LM 2,8)
• Lugar dos Capítulos. Ali se realizou o famoso Capitulo das Esteiras – 1221. (LTC 57-59; AP 18,37-39; LP 114, Fior 18)
• Clara vai à Porciúncula visitar Francisco. Comem juntos num luminoso banquete espiritual. (Fior 15)
• A irmã Jacoba de Settesoli, amiga de Francisco, chega pouco antes de sua morte, trazendo doce conforto.
(EP112;LP101;Cel 37-39)
• A irmã morte visita Francisco ( 2 Cel 214-217; LM 14,3-6;LTC 68;LP 64)
Ensinamentos da Porciúncula
• momento culminante da mudança radical de Francisco
• não teve dúvidas que o Senhor tinha suas exigências
• acolher o Evangelho, escutar o outro (a), percorrer o caminho proposto
• lugar de penitência e serviço
• ensina que todos devemos ser criativos (as) para fazer renascer a simplicidade primitiva.
• santuário da missão: enviar, regressar, fortalecer e orar.
• capítulo: momento privilegiado de encontro.
Frei Vitório Mazzuco
Documento que comprova a veracidade da Indulgência da Porciúncula
Carta do Bispo Teobaldo de Assis
Aqui se propõe o texto completo do documento traduzido a partir da recente edição paleográfica feita sob os cuidados de Stefano Brufani a partir do original, onde ainda se conserva pendente o selo de cera; documento esse conservado no arquivo público do Estado de Perugia, Corporações religiosas supressas, São Francisco ao Prado, pergaminho 56 (1310, agosto, 10), descoberto em 1964 por Roberto Abbondanza. Segue o documento:
“Irmão Teobaldo, por graça de Deus, Bispo de Assis, aos fiéis cristãos que lerem esta carta, saúde no Salvador de todos.
Por causa de alguns faladores que, impelidos pela inveja, ou talvez pela ignorância, impugnam desaforadamente a indulgência de Santa Maria dos Anjos, situada perto de Assis, somos obrigados a fazer esta comunicação a todos os fiéis cristãos. Através da presente carta, queremos comunicar o modo e a forma desse benefício e como o bem-aventurado Francisco, enquanto estava vivo, o impetrou ao senhor papa Honório.
Morando, o bem-aventurado Francisco, junto à Santa Maria dos Anjos da Porciúncula, o Senhor, durante a noite, lhe revelou que se dirigisse ao sumo Pontífice, o senhor Honório, que temporariamente se encontrava em Perugia. A finalidade era impetrar-lhe a indulgência para a mesma igreja de Santa Maria da Porciúncula, há pouco restaurada por ele mesmo. Francisco, levantando-se, de manhã, chamou frei Masseo de Marignano, companheiro seu, com o qual morava, e se apresentou diante do mencionado senhor Honório, e disse:
– Santo Padre, há pouco acabei de restaurar para o senhor uma igreja dedicada à Virgem Mãe de Cristo. Suplico à vossa Santidade que a enriqueçais com uma indulgência, mas, sem a necessidade de nenhuma oferta em dinheiro.
O Papa respondeu-lhe:
– Não convém fazer uma coisa dessas. Pois, quem pede uma indulgência precisa que a mereça dando uma mão. Mas, diz-me para quantos anos você a quer, e quanta indulgência lhe deva conceder.
São Francisco replicou-lhe:
– Santo Padre, sua santidade queira-me dar não anos, mas, almas.
E o senhor Papa respondeu:
– De que modo quer almas?
E o bem-aventurado Francisco declarou:
– Santo Padre, se aprouver à sua santidade, quero que todos quantos se achegarem a essa igreja, confessados e arrependidos e, como convém, absolvidos pelo sacerdote, se tornem libertados da pena e da culpa, no céu e na terra, desde o dia do Batismo até o dia e a hora de sua entrada na mencionada igreja.
O santo Padre acrescentou:
– Isso que pede, Francisco, é muito. E não é costume da Cúria romana conceder semelhante indulgência.
Então, o bem-aventurado Francisco respondeu:
– Senhor, não estou pedindo isto a partir de mim, mas, a partir daquele que me mandou, o Senhor Jesus Cristo.
Diante desse argumento, o senhor Papa concluiu imediatamente, dizendo por três vezes:
– Agrada-me que tenhas essa indulgência.
Os senhores Cardeais presentes, porém, intervieram:
– Vê, se o senhor der essa indulgência, estará destruindo a indulgência do além mar, bem como, virá destruída e considerada nula aquela dos Apóstolos Pedro e Paulo.
O senhor Papa respondeu:
– Agora já a damos e a concedemos; não podemos e nem convém que se destrua o que foi feito. Mas, a modificaremos, de modo que fique limitada apenas para um dia.
Então, chamou São Francisco e disse-lhe:
– Portanto, de hoje em diante, concedemos que, qualquer um que for e entrar na mencionada igreja, bem confessado e contrito, será absolvido da pena e da culpa; e queremos que isso valha todos os anos por somente um dia, das primeiras vésperas até o dia seguinte.
O bem-aventurado Francisco, de cabeça inclinada, começou a retirar-se do palácio. O senhor Papa, então, como o visse saindo, chamou-o dizendo-lhe:
– Ó, simplesinho, aonde vai? Que documento leva desta indulgência?
Respondeu Francisco:
– A mim basta sua palavra. Se for obra de Deus, Deus mesmo deverá manifestá-la. Não quero nenhum outro documento desse privilégio senão este: que a carta seja a bem-aventurada Virgem Maria, o notário Jesus Cristo e os anjos as testemunhas.
Depois disso, Francisco, deixando Perugia, retornou a Assis. No caminho repousou um pouco, juntamente com seu companheiro, num lugar chamado Colle, onde havia um hospital de leprosos, e lá passou a noite. De manhã, acordado e feita a oração, chamou o companheiro e disse-lhe:
– Frei Masseo, digo-lhe, da parte de Deus, que a indulgência a mim concedida através do sumo pontífice está confirmada pelo céu.
Tudo isso foi contado por frei Marino, sobrinho do mencionado frei Masseo, que frequentemente o ouviu da boca do tio. Esse frei Marino, ultimamente, perto do ano de 1307, repleto de dias e de santidade, repousou no Senhor.
Depois da morte do bem-aventurado Francisco, frei Leão, um dos seus companheiros, homem de vida integralíssima, passou adiante esse fato, assim como o havia recebido da boca de São Francisco; e assim, também, frei Benedito de Arezzo, um dos companheiros de São Francisco, e frei Rainério de Arezzo contaram, tanto para os frades como para os seculares, muitas coisas referentes a essa indulgência, como as tinham ouvido do mencionado frei Masseo. Muitos desses ainda estão vivos e confirmam todas essas notícias.
Não pretendemos, pois, escrever com que solenidade essa indulgência foi tornada pública, durante a consagração da mesma igreja efetuada por sete Bispos. Vamos tão somente referir aquilo que Pedro Zalfani, presente à cerimônia, falou diante do Ministro frei Ângelo, diante de frei Bonifácio, frei Guido, frei Bartolo de Perugia, e outros frades do lugar da Porciúncula. Contou ele que esteve presente à consagração da mencionada igreja no dia 2 de Agosto, e ouviu o bem-aventurado Francisco que pregava diante daqueles Bispos segurando na mão um documento, e dizia:
– Quero mandar-vos todos para o céu. Anuncio-vos a indulgência que recebi da boca do sumo pontífice: todos vós que hoje vindes e todos aqueles que virão cada ano, neste dia, com um coração bom e contrito, obterão a indulgência de todos os seus pecados.
Fizemos essas considerações acerca da indulgência por causa daqueles que a ignoram. Assim não podem mais usar como desculpa a ignorância. E, acima de tudo, o fazemos por causa dos invejosos e faladores. Estes, em alguns lugares, procuram destruir, suprimir e condenar aquilo que, toda a Itália, a França, a Espanha e outras províncias, tanto de cá como de lá dos montes, ou melhor, o próprio Deus, em reverência à sua santíssima Mãe (pois, como se sabe, a indulgência é dela), quase todos os dias, vem revelando, engrandecendo, glorificando e espalhando com frequentes e manifestos milagres.
Como ousarão invalidar, com suas funestas persuasões, aquilo que já há tanto tempo, diante da Cúria romana, permaneceu com toda sua validade? Pois, também em nosso tempo, o próprio senhor Papa Bonifácio VIII enviou para essa igrejinha seus magníficos embaixadores para que, por sua vez, no dia da indulgência, nos pregassem com toda a solenidade. Às vezes, enviou até Cardeais. Vindos pessoalmente para celebrar a indulgência e, na esperança de receber o perdão, a aprovaram como verdadeira e certa com sua própria presença.
Diante do testemunho de todas essas coisas, e na fé mais certa, assinalamos a presente carta com nosso selo.
Dada em Assis, na festa de São Lourenço, no ano do Senhor de 1310”.
A virgem Maria na contemplação de Francisco e Clara
INTRODUÇÃO
- Toda pessoa tem uma dimensão contemplativa: aceitação da vida, ação que nos transforma para a vida. Deus é o agente de nossa dimensão contemplativa.
- Nascemos humanos: “humano” é ser que desperta para a presença de Deus; sintonia para enxergar a razão de todas as coisas e sentir a relação com os seres.
- “Acender a luz dos olhos e do coração”; o despertar, dentro e ao redor de cada um, para o tempo, o meio, a vida, as pessoas que cada dia nos encontram e nos transformam.
- Essa transformação vai nos unindo a Deus que, respeitando nossa individualidade, vai nos transformando em Cristo.
- O último passo da contemplação: Deus nos torna colaboradores seus no anúncio desta transformação e realização, comunicando à cada pessoa esta nova vida recebida.
- Todos esses passos aconteceram na vida de Maria, “a Virgem feita Igreja”.
- Francisco e Clara, pela contemplação de Maria, refizeram este caminho em suas vidas.
PEQUENOS E FRACOS COMO MARIA
- Deus resolveu começar tudo com uma mulher, jovem, solteira, pobre, noiva de um carpinteiro, moradora de um vilarejo tão miserável que nem constava dos mapas de Israel. Uma criatura para a qual nenhum poderoso iria olhar.
- O Deus da Bíblia trabalha, com predileção, justamente com o pobre, o pequeno, o fraco, o desprezado. Seu Filho seria o filho desta mulher, uma mulher pobre numa aldeia no fim do mundo. Os auxiliares imediatos de seu filho seriam pescadores por quem ninguém daria nada.
- É fundamental entendermos esse sentido de ser virgem: não pertencer a ninguém, não contar nada como elemento constituinte do povo, não ser nada. É disso que Deus precisa para começar a fazer um contemplativo, porque é dessa massa que Ele faz um Cristo.
- Essa pobreza, esse “nada” da Mãe de Jesus é importante na contemplação de Francisco e Clara, que exatamente aí fundamentaram toda sua vida de recolhimento e ação. Ser pobre de tudo para ser rico de Deus, como Maria, era o grande sonho de Francisco e Clara e a realização de sua alegria.
UNIDOS AO ESPÍRITO COMO MARIA
- Essa virgem de Nazaré era mais uma figura do Povo, paralela daquela menina enjeitada, símbolo de Jerusalém, que alguém tinha jogado no lixo da cidade e estava para ser devorada pelos corvos se Deus não a recolhesse, como disse o profeta Ezequiel (Ez 16, 1-15). É Maria, símbolo da Esposa bíblica que é o miserável povo de Israel, que Deus convidou para ser Mãe unindo-se ao seu próprio Espírito.
- A história dessa enjeitada que virou rainha é a história de cada um dos contemplativos: o Espírito de Deus age como um vento irresistível, construindo Maria dentro de cada um. Maria do silêncio, que sabia “conferir as coisas em seu coração” (Lc 2,52): é a visão contemplativa que abrange o mundo.
- Francisco e Clara contemplam Maria em integração perfeita com a Santíssima Trindade: filha, mãe e esposa. Antífona do Ofício da paixão: “Santa Virgem Maria, não há mulher nascida no mundo semelhante a vós, filha e serva do altíssimo Rei e Pai celestial, Mãe de nosso santíssimo Senhor Jesus Cristo, esposa do Espírito Santo”.
- Contemplação toda pelos olhos e extremamente concreta, objetiva. A Maria que Francisco e Clara conhecem não tem nada de teorias e não se perde no mundo dos conceitos: é um espelho prático em que enxergam a atuação do Espírito de Deus. Assumem as atitudes de Maria frente a Deus, e como ela, concebe, gera e dá a luz à Palavra de Deus, dando-lhe vida e forma.
- Porque a devoção de Francisco e Clara para com Maria foi justamente essa: aprender a acolher o Cristo para dá-lo à luz do mundo, com eles e em sua casa, Maria se tornou Mãe de toda a família franciscana.
MÃE DA HUMANIDADE COMO MARIA
- Maria gerou o corpo de Jesus de Nazaré e gera o espírito de cada um dos filhos de Deus até ficarem parecidos com o Primogênito de Deus. É através dela que cada um e todos juntos consituem o Cristo Místico, em seu Corpo, a Igreja.
- Maria mostra como se humaniza Deus e se diviniza o homem. Nela, a humanidade acolheu Deus e nela Deus é humanidade. Aquele pequenino envolto em fraldas, aquela criança com as feições de Maria, que com ela aprendeu a falar e a andar é Deus feito homem, transformação da história dos homens.
- Francisco e Clara contemplavam em Maria o mistério da encarnação, sem separar Jesus de sua Mãe. Porque, sem essa mulher, o Cristo seria um maravilhoso salvador sem bases históricas (humanidade), pois é nela que se encontram a divindade e a humanidade.
- Clara se comove porque “tão grande e glorioso Senhor quis descer ao seio da Virgem” (1Ct IP, 19). Francisco transborda de reconhecimento pela mulher que tornou possível a descida de Deus e da qual “recebeu verdadeiramente, em seu seio, o corpo da nossa frágil humanidade” (C.Fiéis 1,4).
NA MISSÃO DE DEUS COM MARIA
- A contemplação da vida de Maria parece ter alimentado toda a vida evangélica de Francisco e Clara: ela foi a primeira criatura humana a acolher o Reino de Deus. Essa é a base de toda a missão, pois Maria ensina tanto a acolher o Reino de Jesus como a fazê-lo nascer no coração de cada um.
- Francisco recordava Nossa Senhora como uma missionária percorrendo estradas com Jesus e os apóstolos. Ele a via pobre como Jesus, mas também como senhora e rainha como seu Filho sera rei e senhor. Maria, nossa irmã, representou toda a humanidade acolhendo a Redenção.
- Francisco e Clara plantaram entre seus filhos e filhas a convicção do Reino no coração dos desprotegidos, justamente por serem tão unidos à Mãe do Povo de Deus. Foi Maria quem os ensinou a partir do vazio da pobreza, unir-se a Deus no mais perfeito amor e ser “mães” de cada um dos pequenos seguidores de Jesus, ricos do seu sonho do Reino da Boa Nova. Esse sonho é possível a todos, porque na verdade o Reino de Deus começa no coração de cada um.
CONCLUSÃO – PARA REFLETIR E MEDITAR
• Da contemplação de Maria, Francisco e Clara descobriram um caminho, um modo de ser e de viver. Minha vida de oração/contemplação está me conduzindo por um caminho de comunhão mais verdadeira com Deus, com as pessoas e com as criaturas?
• A oração/contemplação conduz necessariamente à conversão, ao seguimento e à configuração com Cristo. Ele está vivendo em mim? Sou capaz de descobrí-lo, serví-lo e amá-lo nas pessoas e situações todas da vida.
• Minha vida é um “espelho” que reflete a vida e a presença do amor de Deus? Como está meu testemunho de Cristo?
Frei Regis Daher, ofm
Orações
CREDO
Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, e de todas as coisas visíveis e invisíveis. Creio em um só Senhor: Jesus Cristo, Filho unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não feito; consubstancial com o Pai, por quem todas as coisas foram feitas; que, por nós e por nossa salvação, desceu dos céus, e se encarnou, por obra do Espírito Santo, da virgem Maria, e se fez homem. Foi também crucificado, sob o poder de Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e subiu aos céus, e está sentado à direita do Pai. Virá outra vez com glória para julgar os vivos e os mortos, e o seu Reino não terá fim. Creio no Espírito Santo, o Senhor que dá vida, e procede do Pai e do Filho; que, com o Pai e o Filho, é juntamente adorado e glorificado; Ele, que falou pelos profetas.
Creio na Igreja una, santa, universal e apostólica. Confesso que há um só Batismo para remissão dos pecados.
E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém.
PAI NOSSO
Pai Nosso que estais no céu,
santificado seja o vosso nome,
vem a nós o vosso reino,
seja feita a vossa vontade
assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje,
perdoai-nos as nossas ofensas,
assim como nós perdoamos
a quem nos tem ofendido,
não nos deixei cair em tentação
mas livrai-nos do mal.
Amém.
UMA ORAÇÃO NAS INTENÇÕES DO PAPA
No mês de agosto, o Papa pede:
Intenção Geral: Para que todos os que atravessam momentos de dificuldade interior e de provação, encontrem em Cristo a luz e o sustento que os levem a descobrir a felicidade autêntica.
Intenção Missionária: a fim de que a Igreja na China dê testemunho de uma coesão interna cada vez maior e possa manifestar a comunhão concreta e visível com o Sucessor de Pedro.
ORAÇÃO A NOSSA SENHORA DOS ANJOS
Ó Nossa Senhora dos Anjos, na pequena Igreja da Porciúncula,
São Francisco recebeu as vossas bênçãos generosas juntamente com sua Ordem.
Ele depositara na vossa presença materna uma grande confiança e devoção, sendo atendido em seus pedidos. Continuai a dispensar os vossos favores sobre nós e sobre nossas necessidades particulares.
Nós vos suplicamos, dai-nos a graça da penitência dos pecados, a correção de nossas más inclinações e fortalecimento nos momentos de fraqueza. Quantos recusam a salvação e preferem caminhar nas trevas do erro! Tudo é possível para aquele que crer, para aquele que se arrepender!
Vós, ó Mãe, manifestastes a São Francisco o grande desejo de reconciliar os pecadores com Jesus, que se entregou em uma cruz para nos salvar. Rogai por nós, agora e na hora de nossa morte. Por isso, com todos os anjos do céu, vos saudamos: Ave Maria …
ORAÇÃO A VIRGEM MARIA
Santa Virgem Maria,
entre as mulheres do mundo, não nasceu nenhuma semelhante a ti,
ó filha e serva do altíssimo e sumo Rei e Pai celeste,
mãe de nosso santíssimo Senhor Jesus Cristo,
esposa do Espírito Santo:
roga por nós, com São Miguel Arcanjo
e com todas as virtudes dos céus e com todos os santos,
junto a teu santíssimo e dileto Filho, Senhor e Mestre.
Bendigamos o Senhor Deus vivo e verdadeiro (Ts 1,9);
Rendamos-lhe sempre louvor, glória, honra e bênção (Ap 4,9) e todos os bens.
Amém. Amém. Assim seja. Assim seja.
Assim se viverá "o perdão de Assis" em tempos de pandemia
O tradicional “perdão de Assis” ou a “indulgência da Porciúncula” será realizado em 2 de agosto, mantendo as medidas sanitárias para evitar a propagação do coronavírus COVID-19.
De acordo com o programa publicado pela Diocese de Assis - Nocera Umbra - Gualdo Tadino, no sábado, 1º de agosto, ocorrerá a abertura da solenidade do perdão às 11h (hora local) com uma Missa presidida pelo Ministro Geral da Ordem dos Frades Menores (OFM), Pe. Michael Perry. Ao concluir a Eucaristia, começará a "abertura do perdão", na qual será possível receber a indulgência plenária até às 12h de 2 de agosto.
O "perdão de Assis" se estende a todas as igrejas paroquiais e igrejas franciscanas do mundo.
No entanto, devido às medidas sanitárias para evitar contágios por COVID-19, este ano a festa do perdão terá algumas mudanças.
Em primeiro lugar, não será realizada a marcha franciscana na qual participam muitos jovens na abertura da porta da Porciúncula.
Além disso, a Basílica de São Francisco teve que se adaptar às regras do distanciamento social, à higienização dos espaços e espera-se que não haja multidões como nos outros anos.
Por sua vez, o frade franciscano Simone Ceccobao, que mora em Assis, indicou ao Vaticano News que uma mudança significativa será a "transferência das confissões da Basílica para o convento da Porciúncula", uma vez que os confessionários "ainda não podem ser usados, também se criaria uma situação incontrolável para distanciar os penitentes na Basílica”.
Por essa razão, nos dias 1º e 2 de agosto, "o convento dos frades, que normalmente é um espaço de claustro, porque somente muito poucas pessoas além de nós podem entram, será aberto às pessoas que desejam se aproximar ao perdão”.
“Poderíamos dizer que a casa dos frades se torna a casa da misericórdia. O perdão é sempre o perdão. Eu gosto de vê-lo este ano, porque é verdade que ainda existe uma emergência em andamento que nos fez sentir um pouco mais frágeis, um pouco menores, um pouco mais indefesos, mas ao mesmo tempo essa emergência destacou muito fortemente a urgência do perdão que renova nossas vidas”, alertou frei Simone.
Fontes:
https://franciscanos.org.br/carisma/especiais/perdao-de-assis-2-de-agosto#gsc.tab=0
https://www.acidigital.com/noticias/assim-se-vivera-o-perdao-de-assis-em-tempos-de-pandemia-76946