Segunda, 19 Março 2018 12:17

Te desejo flores no caminho!

 

Há poucos dias escrevi que precisávamos acreditar que as flores ainda podem vencer os canhões. E como uma tempestade, uma nova onda de violência atingiu nosso país assumindo uma face ainda mais perversa.

Quando em 2006 o irmão da minha esposa foi assassinado, percebi mais claramente como era necessário dar importância ao combate a violência que acontecia a minha volta, pois parecia até aquele momento, que esta violência estava restrita às periferias de nossa sociedade. Logo eu morador de município muito pobre e violento acreditava estar longe das manchetes de jornais. Mas aconteceu comigo! Na época escrevi sobre isto na revista Paz e Bem, mas uma coisa que na época não comentei é que havia sido proposto a família fazer justiça com as próprias mãos e claro que repudiamos veementemente a idéia de vingança e violência.

Muitos brasileiros são vítimas destas violências todos os dias. Todos os dias morrem policiais, presidiários, moradores de favelas, moradores de bairros nobres, ciclistas, motoristas, pedestres, trabalhadores, pais, mães e crianças. Não podemos nos acostumar com esta situação e tão pouco revidar com mais violência. Como seguidores de Cristo e de Francisco somos irmãos e irmãs de todos que sofrem e devemos combater o bom combate contra a violência todos os dias.

Na última semana uma “enxurrada” de textos e manifestações sobre o assassinato da vereadora do município do Rio de Janeiro, Marielle Franco, chegaram até nós e não achei necessário no momento escrever mais um texto, mas na era das redes sociais informações verdadeiras e falsas foram oferecidas a todos, nos deixando ainda mais confusos e isto me levou novamente a refletir sobre "flores" e "canhões".

O assassinato da Marielle não foi mais ou menos significativo que outros, mas sendo ela uma pessoa pública tomou proporções maiores e assumiu nele todos os outros assassinatos que foram negligenciados e comumente deixados de lado pelas autoridades e por nós que acreditamos que coisas como estas nunca irão acontecer com a gente ou estão restritas as favelas e bairros de periferias. Como em um espelho estamos vendo como a violência está na estrutura de nossas instituições e de nós mesmos.

Como pessoa pública Marielle sofre desde seu assassinato novas mortes causadas por mentiras espalhadas como balas de canhões nas redes e que tentam denegrir sua imagem e luta e vendo isto acontecer foi possível perceber como como podemos nos tronar flores em meio a tanta violência.

O parágrafo 3 do artigo 22 de nossas Constituições Gerais (CCGG) nos traz o “adubo” necessário para que sejamos flores: "A renuncia ao uso da violência, característica dos discípulos de Francisco, não significa renúncia à ação; os irmãos, porém, cuidem que as suas intervenções sejam sempre inspiradas no amor cristão".

A partir da não-violência e inspirados pelo amor cristão não devemos e nem podemos nos calar diante das vítimas de assassinatos, das vítimas da falta de hospitais, das vítimas do desemprego, das vítimas de difamação em redes sociais; das vítimas de preconceitos; das juventudes sem escola; da impunidade promovida por nosso judiciário; contra a morte de rios e a destruição da terra; contra as gananciosas mineradoras e principalmente pelas vítimas do pré-julgamento e condenação.

Também o artigo 23 das CCGG nos lembra que somos chamados a sermos portadores de paz na família e na sociedade e que devemos buscar a paz, que é obra da justiça e fruto da reconciliação e do amor fraterno, além de nos exortar a propor e difundir idéias e atitudes pacíficas, individuais e comunitárias, com a igreja, com o Papa, com a Família Franciscana e com movimentos e instituições que promovam a paz.

Promover a paz e a não-violência deveria ser ação diária e rotineira para nós Franciscanos Seculares, pois em nossa primeira regra fomos exortados a não portar armas por motivo algum. Este movimento franciscano difundiu-se tanto e de tal forma que há indícios de que em algumas regiões da Europa, durante a Idade Média, as guerras foram dificultadas porque muitos soldados se tinham tornado franciscanos e seus votos impediam de participar de conflitos armados. Nosso seráfico Pai Francisco na Regra Não-Bulada nos revela o bom caminho quando nos diz: "E Todo aquele que deles se acercar, seja amigo ou adversário, ladrão ou bandido, recebam-no com bondade." (RNB VII,13)

Precisamos de tão pouco para sermos flores! Isto vai acontecer quando regarmos nosso coração e com frequência estarmos em contato com a santidade em nossa vida e na vida dos outros; quando abrirmos com criatividade e coragem espaços para escutar de forma ativa que cada um de nós possui parte da verdade; quando mudarmos nosso jeito de pensar e agir de "nós contra eles"; quando com vontade nos esforçarmos para reconhecer e transformar ativamente as diferenças do poder dominante; quando nos mobilizarmos como Família Franciscana com alternativas criativas e não-violentas para desafiar a ordem estabelecida e principalmente propor soluções justas e compassivas que realmente se direcionem e modifiquem às causas do conflito e não simplesmente intervenções políticas e sensacionalistas que gerem ainda mais violência.

Precisamos fazer e apoiar uma intervenção e uma mediação não-violenta como fez Francisco de Assis entre a cidade de Gubbio e o lobo (Fioretti 20) onde cada uma das partes em conflito precisa ser convertida, pois cada uma é ameaça e também é ameaçada ao mesmo tempo.

Francisco ainda exalta esta postura em suas Admoestações: "Bem-aventurados os construtores da paz, porque eles serão chamados filhos de Deus. São verdadeiramente construtores da paz os que no meio de tudo quanto padecem neste mundo, se conservam em paz, interior e exteriormente, por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Adm XV)

Queridos irmãos e irmãs o assassinato da Marielle trouxe à tona uma realidade dura que quase todas as periferias urbanas lidam todos os dias e não podemos compactuar e tão pouco prestar homenagem a maior das violências que é a violência que se esconde nas estruturas e dentro de nós e que impõem a muitos uma vida sofrida, sem opções, sem descanso, sem referencias. Não podemos nos omitir diante de tantos que sofrem à beira do caminho exigindo para nós justiça e paz.

Comecemos nossas atitudes diárias nos colocando no lugar do outro que sofre, sendo instrumentos de paz. Não vamos compactuar com um modelo de divisões, acusações e mentiras, mesmo que seja através das redes sociais. Sejamos a todo tempo e o tempo todo, irmãos e irmãs da penitência, para sermos flores no caminho dos que por ali passam e desta forma venceremos os canhões.

 

Fraternalmente

Helio Gouvêa

Coordenador Nacional JPIC

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