NOVEMBRO/2013
Eis que diariamente ele se humilha (cf. Fl 2,8), como quando veio do trono real (Sb 18,15) ao útero da Virgem; diariamente Ele desce do seio do Pai (cfJo 6,38; 1,18) sobre o altar nas mãos do sacerdote (Admoestação de São Francisco ( I, 16-18)
AQUELE QUE VEM ATÉ NÓS NA MESA DA TOALHA BRANCA
Sempre de novo precisamos nos acercar das exortações e admoestações de São Francisco. Elas nos permitem ver a profundidade de seu amor pelo Senhor e a dimensão profunda de sua espiritualidade. Quando nos empenhamos em assimilar suas palavras vamos, nos tornando um pouco Francisco de Assis. Elas ajudam a forjar nossa personalidade cristã com o espírito de Francisco.
Nas poucas linhas acima transcritas temos como que um esboço de toda a história da salvação. Nelas a atenção do Poverello se prende à questão do aniquilamento do Senhor na Eucaristia. Cristo é sempre aquele que se desvencilha de si mesmo. Está a se dar sempre na mesa da toalha branca.
Francisco, de início, dirige seu olhar para Cristo que está sentado em seu trono real, como Senhor cheio de majestade. Depois de sua ressurreição Ele é o Senhor que vive da glória e na glória. Quando chegara a plenitude dos tempos, no entanto, tinha deixado sua condição divina (Fl 2,8), fizera-se homem e por esse aniquilamento nos redimiu. Até morrer nu na terra nua Francisco nunca se cansará de admirar esse despojamento: Deus que se torna nada por amor.
O Poverello se extasia diante da encarnação do Senhor em tanta humildade: A humildade da encarnação de Jesus chocou tão profundamente o seu pensamento que dificilmente ele podia pensar noutra coisa (1Cel 84).
Para Francisco, o Natal de Deus nas palhas do presépio marcará sua vida e a vida de toda a escola e família franciscana. O tema de um Deus que se torna nada para nos dar tudo, um Deus que sendo rico se torna pobreza. Por isso, a pobreza, caminho real escolhido pelo Rei, será o grande trunfo também de nossa vida franciscana. Não apenas a pobreza de uma carteira com pouco dinheiro, mas a alegria de depender confiantemente no Senhor, de sermos pobres que sabemos cantar.
O mesmo aniquilamento da encarnação Francisco percebe no Sacramento do Corpo de Cristo. Depois de sua ressurreição o Senhor voltou a sentar-se no trono da glória. Ele, no entanto, continua se humilhando todos os dias descendo sobre o altar. O Natal continua na missa.
Francisco, cheio de fé, respondendo ao amor de Cristo, exulta de júbilo. “Ó admirável grandeza e estupenda dignidade! Ó sublime humildade! Ó humilde sublimidade: o Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, tanto se humilha a ponto de esconder-se, pela nossa salvação, sob a módica forma de pão. Vede irmãos, a humildade de Deus e derramai diante dele os vossos corações” (Carta enviada a toda a Ordem, 27-28).
Cristo, no sacramento da Eucaristia, percorre o mesmo caminho de abaixamento. Ali se faz presente o sacrifício de sua vida do qual participamos na mesma humildade e despojamento do presépio. Derramamos os nossos corações diante de Deus.
Natal e Eucaristia se entrelaçam. Nós franciscanos veneramos o Menino das palhas com todas as veras de nosso coração. Outrossim, temos como ponto de honra a participação na Eucaristia todos os dias, se possível. Ficamos extasiados com a repetida humilhação do Senhor por nosso amor. De tanto vivenciar a Eucaristia nós mesmos vamos, nos tornando despojados, pessoas em constante estado de ação de graças. Assim ecoa dentro de nós a frase que encerra o parágrafo da Carta enviada a toda Ordem acima mencionada: “Portanto, nada de vós retenhais para vós, a fim de que totalmente vos receba aquele que totalmente se vos oferece”.
Natal e Eucaristia são manifestações de dom, de entrega. Não podemos ficar alheios a tanto abaixamento misturado com tanto amor.
Nota: Estas reflexões se inspiraram nos comentários de K. Esser sobre as admoestações de Francisco, edição de Braga.
Pequeno adendo:
* Em nossas casas franciscanas da I Ordem todos os irmãos são convidados a participar de uma mesma missa. Francisco queria que quando muitos sacerdotes estivessem na mesma casa houvesse uma concelebração.
* Os franciscanos seculares contam com esta admoestação de suas Constituições Gerais: “A Eucaristia é o centro da vida da Igreja. Nela, Cristo nos une e entre nós como um único corpo. Por isso, seja a Eucaristia o centro da vida da Fraternidade; participem os irmãos da Eucaristia com a maior frequência possível lembrando do respeito e do amor de São Francisco que, na Eucaristia, viveu todos os mistérios de Cristo” (Art 14, § 2).
Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM