DEZEMBRO/2013
Uma das biografias mais saborosas de Francisco de Assis foi escrita pelo português Frei Fernando Felix Lopes: O Poverello. São Francisco de Assis, publicada pelo Editorial Franciscano de Braga. Transcrevemos umas linhas do livro, movidos pela alegria de partilhar com todos um texto tão cuidadosa e belamente escrito.
Em Greccio morava um cavaleiro virtuoso, homem de boa reputação e melhor vida, que por amor a Deus deixara a milícia das armas. Chamava-se João de Vellita e São Francisco consagrava-lhe amizade singular. Uns quinze dias antes do Natal foi ter com ele com proposta muito sua e original. Só pela cabeça do Poverello podia passar tal lembrança:
– “Olha, João, muito queria eu celebrar o Natal do Menino Deus que nasceu em Belém, representando-o, de maneira que meus olhos vissem o desconforto e agruras de sua infância, o curral e dentro dele, o divino Jesus deitado na manjedoura sobre o feno e bafejado pelo boi e o jumentinho. E tu, para esta minha festa nova, bem podias tudo preparar no recôncavo dos rochedos que ficam além sobre os teus campos. Do senhor Papa trago a licença para celebrar desta maneira o Nascimento do Redentor”.
E o bom do João de Vellita tudo preparou conforme o Santo projetara. Foram chamados os frades dos eremitórios de à volta. Homens e mulheres da redondeza todos acorreram; e, noite dentro, era a procissão de archotes e fogaréus a trepar por aquelas encostas e a espancar as trevas da noite bendita em que raiou a aurora que veio alumiar os séculos, tantas luzes boiando no escuro, subindo e descendo, em cata da gruta onde outra vez ia nascer Jesus.
E chegou o Santo, e exultou naquela noite de alegria. O curral, a manjedoura com feno, o boi e o jumentinho. Podia chegar Nossa Senhora, podiam vir os pastores. Estava bem montada a casa da santa simplicidade e da humilde e santa Pobreza. A gruta de Greccio era tal como se fora a gruta de Belém.
Alumia-se a noite, como se fora dia; cantam os bosques de à volta, e as rochas respondiam em eco os cânticos de alegria. É que se aproximavam as gentes, e não lhes cabe na alma a alegria nova daquele mistério novo nunca visto.
Cantam os frades as matinas do Senhor; estremece de júbilo a noite. E o Santo, de pé, diante da manjedoura vazia, desabafa em, suspiros de saudade, inundado de gozo celeste. Sobre a manjedoura se celebra a missa; Francisco revestido de dalmática, ministra de diácono, e, na sua voz cheia de ternuras canta o Evangelho e depois prega ao povo apinhado à sua volta. As palavras escorrem-lhe dos lábios, doces como o mel, a recompor a cena do grande Rei pobrezinho nascido num presépio na cidade de Belém. Abrasado em divino amor, chama a Jesus de bambino de Belém, e arrasta aquele Belém, a repetir como se fosse ovelhinha a balar. E a boca cheia do nome bendito, cheia de amor, até a prece de um cordeirinho a ruminar. E, repetido, escorre-lhe dos lábios: – “Jesus, o Menino de Belém!” E sente os lábios tão doces que, até os lambe e entra depois a engulir aquela doçura divina.
O Poverello São Francisco de Assis, p. 434-436