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A ARTE DO RECOLHIMENTO

JANEIRO/FEVEREIRO/2014

A ARTE DO RECOLHIMENTO

 

 Enquanto um profundo silêncio envolvia o universo e a noite no meio de seu curso, desceu Deus, do seu trono real, a vossa palavra onipotente (Sabedoria 18,14s).

1. As reflexões que agora propomos aos nossos leitores falam do silêncio, da urgência e da necessidade do silêncio não somente para o bom êxito de nossa vida de oração, mas para que nossa vida tenha sentido.  Não é possível viver na “distração” e na “dispersão”.  Nós que buscamos seguir o Senhor Jesus, precisamos ser ajudados a darmos uma generosa resposta àquele que nos deu o presente da vocação. Temos medo da superficialidade e da mediocridade. Não queremos ser pessoas, pais e mães, religiosos, sacerdotes superficiais. Há dentro de nós um anseio de unidade, de unificação do que está disperso, de busca das profundidades.  Vivemos, no entanto, na agitação.  Buscamos a zoeira.  Temos medo do silêncio, seja exterior ou interior.  Na sacristia, antes da missa, todos conversam sobre tudo e sobre todas as coisas e não enfeitam o coração para o encontro com o Mistério. Nossas orações não são precedidas de recolhimento na antessala da presença do Altíssimo. Nossas casas e nossas cidades se tornaram caóticas. Por vezes, pensamos até que seja normal viver no barulho, tanto externo quanto interior. Somos o que o barulho diz que somos. Não somos nós mesmos.

 

2. O silêncio interior consiste em dominar os ruídos interiores. Silêncio interior tem a ver com uma arrumação por dentro, feita de tal forma que possamos habitar nosso interior e ter a capacidade de ouvir o Senhor que deseja nos falar. A prática desse recolhimento interior é mais penosa de ser alcançada do que tentar o silêncio exterior.  Mesmo as pessoas mais taciturnas, que exteriormente falam pouco, nem sempre conseguem essa unificação interior.  Falsos e verdadeiros problemas nos preocupam e nos agitam.  Aumentamos a dimensão dos problemas e não conseguimos jogar nossas preocupações nos braços da Providência. Vivemos preocupados. “Ocupados antes…”. Os grandes atores de teatro e os maestros mais festejados exigem que à sua volta, no camarim ou na sala de espera, se faça silêncio.

 

3. A distração é o contrário do silêncio interior.  Ela sempre foi considerada pelos espirituais como empecilho para a vida interior, maior mesmo do que as paixões. Ela esfacela e corrói nosso ser interior.

 

4. Paul de La Croix, no seu livro “La pluie et lasource”,  fala de quatro elementos geradores dessa confusão interior: as recordações ou lembranças, a curiosidade, as preocupações e a agitação. As lembranças e recordações, boas ou más, não podem permanecer para sempre vivas. Trata-se de deixar de lado algumas delas.  Assim como numa mudança não podemos levar tudo o que tínhamos, da mesma forma há algumas lembranças a serem deixadas para trás quando avançamos na vida.  A curiosidade também nos perturba interiormente.  Basta observar os assuntos sobre os quais versam algumas conversas: quanta superficialidade nessas trocas de palavras. Os cuidados: alguns são necessários. Há preocupações legítimas.  Mas gastamos o tempo em bagatelas e ficamos “preocupados” com o sucesso dos outros, com o dinheiro que não está dando e com nossa imagem frente aos demais.  Quem sabe Deus ficaria contente que lhe confiássemos nossas preocupações, receios e medos. E finalmente, essa agitação exterior e interior que nos envolve. Sempre antenados, ligados, com celular, com fones de ouvido.  Mesmo durante a celebração da missa as pessoas não se desligam e vivem assim um tumulto. Saem para ler a mensagem e responde-la imediatamente.  Pessoas que durante anos e anos tiveram um interior disperso, mesmo vivendo a vida franciscana, dificilmente podem fazer experiência do Senhor.  Distraídas não dispõem de óleo em suas lâmpadas.

 

5. O mesmo Paul de La Croix: “No lado oposto da distração está o recolhimento. Este consiste precisamente em recolher, ajuntar os cacos dispersos de cada um que ficaram suspenso aqui ou ali para dar ao ser e ao agir uma coluna vertebral”.

 

6. Urbano Plenz, OFM, num pequeno caderno intitulado “Deus conosco no silêncio”, escreveu: “Na sua base íntima e profunda todo ser humano tem necessidade essencial do silêncio. Silêncio é a dimensão  necessária para o encontro existencial consigo mesmo. Este encontro é fundamental para toda pessoa humana. É a condição necessária  para conseguir identificar-se consigo mesmo.  Ou, em outras palavras, para fazer a experiência de sua própria pessoa e liberdade. O silêncio do coração cria aquele espaço interior para o próprio eu, movimentar-se em suas atitudes essenciais  como oração, meditação, diálogo, trabalho e lazer.  Sem essa dimensão todas as vivências são superficiais  ou meras articulações técnicas. O silêncio é capaz de trazer à baila os verdadeiros  valores  humanos, para torna-los comunhão no encontro e no diálogo. O silêncio revela a dimensão profunda do homem,  a dimensão mistério”. Os que falam o tempo todo, esbravejam, vivem no ruído, levam uma vida sem brilho (…).  Sem silêncio interior, o homem é um arcabouço sem coração. É um autômato, sem poder auto determinar-se, mas alguém sendo levado tolamente pela onda, sem a consciência de seu próprio mistério, sem a capacidade de criar o novo. Sem a possibilidade de instaurar o Reino de Deus. (Antigos Cadernos Franciscanos CEFEPAL de Minas Gerais).

 

7. Paulo VI por ocasião de sua visita a Nazaré, contemplando a Sagrada Família escreveu sobre o silêncio: “Não partiremos sem colher às pressas e quase furtivamente algumas breves lições de Nazaré. Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do espírito. Em nós, assediados por tantos clamores, ruídos e gritos  em nossa vida moderna barulhenta e hipersensibilizada. O silêncio de Nazaré ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo”  (Liturgia das Horas I, p. 383).

 

Questões

–  Até que ponto procuramos permanecer em espaços de silêncio na reflexão e na oração?

–  Temos cuidado de fazer a meditação no silêncio de nosso quarto?

–  Antes da missa, antes da oração nas reuniões, criamos um clima de recolhimento?

–  Comente esta frase de Frei  Urbano Plenz:  “A transformação do mundo será fruto do coração das pessoas. Os grandes  profetas  vêm sempre do deserto, ou seja, do grande silêncio.  Do silêncio do coração”.

–  Nossos retiros espirituais são retiros verdadeiramente retiros ou simples encontros mais ou menos alegres, mas ruidosos?

 

Frei Almir Ribeiro Guimarães,OFM