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“EU TE LOUVO, PAI, PORQUE REVELASTE ESTAS COISAS AOS PEQUENINOS”

“EU TE LOUVO, PAI, PORQUE REVELASTE ESTAS COISAS AOS  PEQUENINOS”

Trânsito do Pai Francisco

1.Todos nós, franciscanos, gostamos dos meses de setembro e outubro. Em setembro comemoramos as chagas do Pai Francisco e,  em outubro,  somos convidados a nos fazer presentes  ao lado da capelinha da Porciúncula de Assis para vivermos a passagem, a páscoa, o trânsito de Francisco. Celebrar é tornar presente o que se canta e decanta. Reunimo-nos, ao cair da tarde de 3 de outubro, para viver a passagem do Pai  Francisco, esse pobre que canta.  Parece que Jesus está repetindo para nós diante de Francisco que morre: “Eu te louvo, Pai, porque revelaste estas coisas aos pequeninos”. 

 

2. Falando da morte de São Francisco, André Vauchez,  historiador francês do período medieval, assim se exprime: “Depois de ter abençoado os irmãos que o cercavam  – frei Bernardo que certamente era o que mais se assemelhava a ele no plano espiritual, mas também frei Elias e alguns outros  – pediu pão e deu um pequeno pedaço a cada um. Depois manifestou o desejo que fossem lidas as passagens do Evangelho de João em que Jesus estava vivendo a iminência de sua Paixão. Dois ou três dias mais tarde  pediu que o colocassem sobre a terra e logo em seguida entregou sua alma, revestido de um cilício e coberto de cinzas, na noite entre 3 e 4 de outubro com a idade de quarenta e  quatro ou quarenta e cinco anos.  Não há nenhum motivo  para pôr em dúvida que as coisas assim se tenham efetivamente passado, desse modo tão edificante:  assim como ele se havia esforçado em fazer de sua vida  um exemplum, Francisco  quis teatralizar sua morte   para fazer dela um drama sacro, revivendo as últimas etapas da vida de Cristo, da ceia ao Getsêmani, deixando assim  aos seus irmãos uma cena que nunca iriam esquecer.  A  Legenda de Perusa acrescenta um pormenor que colore a cena com tintas  de humanidade:  dias antes de sua morte, Francisco teria tido a visita de uma nobre viúva,  Jacoba de Settesoli,  que pertencia à família romana dos Frangipani, pela qual ele tinha uma profunda amizade e que lhe retribuía o mesmo afeto.  Quando ele tinha pensando em escrever,  ela veio espontaneamente a Assis para lhe trazer  o que lhe faltava  para atravessar a última etapa;  uma túnica de tecido cor  cinza com a qual poderia ser sepultado,  cera para fazer velas e o incenso  para perfumar  o lugar onde ele haveria de entregar sua alma.  Francisco  vivia ainda e Jacoba lhe trouxe o mostacciuollo, um doce feito com amêndoas, açúcar e mel que ele muito apreciava e que ela o tinha feito  experimentar por ocasião de uma precedente visita. Segundo os biógrafos ele mal e mal pode degustar um pequeno pedaço do apetitoso doce. O episódio nada mais faz se não acrescentar uma nota pitoresca nesse final tão edificante: Jacoba, como mulher não teria podido entrar na Porciúncula, na clausura.  Mas tudo foi permitido quando os frades lhe deram o título masculino de FraJacoba.  Aquele que, pouco tempo depois seria celebrado como  “outro Cristo”, necessitava de uma nova Madalena.  Vamos e venhamos um santo que se preza não morre comendo tortas doces! Por essa razão, sem dúvida, que esta menção apareceu somente em textos hagiográficos depois de 1250, quando a reputação de santidade do Poverello estava solidamente estabelecida”  (A. Vauchez,  François d’Assise, Fayard, Paris  2009, p. 219-220).

 

3. Terminamos esta leitura espiritual com uma página densa e profunda sobre o perfil de Francisco. Um documento da FFB, publicado em 2009 ( Reviver o sonho de Francisco e Clara de Assis no chão da América Latina e do Caribe, provavelmente de autoria de Frei Prudente Nery, OFMCap),  assim  descreve esse Francisco que está tão densamente presente diante de nós em outubro. Francisco teve vários encontros com Cristo. Do encontro inicial, “emerge um homem impressionante. O fascínio que ele exerce  sobre os homens, séculos depois de sua morte, transpõe as fronteiras do cristianismo. Grandes e pequenos reverenciam-no  com palavras de invulgar admiração. O que o torna assim tão simpático  aos olhos dos homens  não é tanto o fato de ser ele um santo da cristandade católica, o inspirador de inúmeras comunidades religiosas. Destes, há vários outros exemplos, também admiráveis. Antes, a razão precípua é sua  humanidade,  simplesmente. Efetivamente, nele vemos o que é o ser  humano, quando historicamente, se realizam as suas mais belas possibilidades: não um conglomerado de egoísmos, rigidez, baixezas e pecados, mas uma figuração de bondade, fineza, cortesia, ternura e compaixão, sim, uma imagem e semelhança  de Deus mesmo.  Sua humildade desfeita de toda sofisticação, sua afabilidade  sincera para com todos, sua singela inocência, sem prepotência e maldade, sua largueza de alma pela qual acolhe a todos como irmãos e irmãs, seu reverente entusiasmo para com o mundo e suas criaturas, o jeito pacífico e portador de paz  que o faz próximo de todos, o respeito com que trata todos os seres, do sol magnífico à inexpressiva erva, com gestos e palavras poéticas, enfim, seu amor sem fronteiras, é isso que faz de Francisco esse homem notável e a razão do fascínio  que ele exerce sobre todos” (p. 13-14).

 

“Eu te louvo, Pai, porque escondeste estas coisas dos sábios e as revelastes aos humildes”.